O USO DE FONTES HISTÓRICAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM E AS POSSIBILIDADES JUNTO AO CINEMA

LAYS FERNANDA OLENIUK

A História ciência há muito percebe a importância das fontes, a partir delas são possíveis as mais diversas interpretações sobre a humanidade. Contudo, as fontes consideradas privilegiadas durante muitos séculos eram os documentos impressos/manuscritos, principalmente os dos grandes fatos e heróis, qualquer outro fragmento, vestígio ou relato era ignorado.

No início do século XX a chamada Escola dos Annales ampliou consideravelmente a noção de fonte, possibilitando o uso de documentos diversos no processo de escrita da História.  Mais tarde, a Nova História reafirmaria esses preceitos, transformando definitivamente a forma de se construir essas narrativas. Defendia-se a ampliação do termo documento, como afirma Le Goff “[...] há que tomar a palavra ‘documento’ no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem ou de qualquer outra maneira” (LE GOFF, 1984, p.98). A partir desta nova compreensão incluíram-se como fontes: fotos, artefatos e objetos, vídeos e filmes, relatos orais e outros vários vestígios que se relacionam às ações do homem no tempo.

Tal movimento no campo historiográfico somado a preocupações metodológicas do ensino de história, especialmente da década de 90, refletiram sobre as diretrizes educacionais, as quais passaram a incentivar o professor a utilizar as mais variadas fontes históricas em sala de aula, objetivando a produção do conhecimento histórico e o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos.

A utilização de fontes históricas dentro do processo de ensino-aprendizagem possibilita aos estudantes um melhor entendimento das diferentes formas da narrativa histórica, bem como a percepção de sua construção e não da História como algo natural e acabado. Assim, o uso da fonte histórica permite valorizar a problematização dos conteúdos, o questionamento sobre determinadas temáticas se torna parte importante no processo de formação do educando. Temáticas que muitas vezes não aparecem de forma expressiva ou suficiente nos materiais didáticos, podem ser problematizadas desta forma.

Neste sentido, para Pereira e Seffner, “[...] O alvo principal do ensino de história na escola é a construção da compreensão de que estudar esta disciplina é uma ação social que se dá no presente” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p.119). Segundo os autores, ao se aprender a problematizar a realidade, o aluno começa a entendê-la como construção e não acaso. Quando o aluno passa a se entender como sujeito da História, tem a possiblidade de fazer as escolhas mais adequadas a sua vida, tomando posicionamentos em relação aos acontecimentos de seu tempo, questionando as desigualdades de sua realidade.

De acordo com os editais do Programa Nacional do Livro Didático, o uso de documentos em sala de aula é imprescindível, no entanto, devemos ressaltar que sua presença não garante sucesso na aprendizagem, cabe ao professor problematizá-la. Ao fazê-lo de forma correta, o trabalho com as fontes gera benefícios tanto para os estudantes como para os professores, pois estes tem a oportunidade de reafirmar o estatuto de ciência da História, problematizando a complexidade e importância da construção do conhecimento da área.

“Ou seja, queremos que o estudante se torne alguém capaz de reconhecer na História o estatuto de uma ciência, com seus limites e suas possibilidades. Não precisamos para isso, necessariamente, ensinar o estudante a ler um documento, mas apenas, singelamente, a desconfiar do documento, a olhar pra ele como uma construção do seu tempo e percebê-lo como um engenho que uma determinada civilização criou para mostrar às gerações seguintes uma imagem de si mesma” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p.127).

Dentre todas as fontes históricas possíveis a partir do entendimento ampliado do termo documento, a linguagem cinematográfica se estabelece como fonte histórica praticável para a sala de aula. No entanto, para que essa alternativa se fizesse viável com aval de historiadores e estudiosos da educação fez-se necessário um longo processo de debates em ambos os campos.

A descoberta de um equipamento que captava a imagem-movimento no século XIX constituiu um grande passo para a humanidade. O cinetoscópio desenvolvido por Willian Dickson ultrapassava a inércia das fotografias e dava às pessoas a possibilidade de assistir as imagens no próprio aparelho. Poucos anos depois Leon Bouly foi o responsável por evoluir a criação, ele nomeou cinematógrafo, o aparelho que reproduzia as imagens-movimento em uma grande tela. No entanto, foram os irmãos Lumiére que patentearam a invenção, e iniciaram exibições de suas pequenas produções ao público. Nas três primeiras décadas do século XX o cinema se afirmou como arte, e cresce cada vez mais desde então. (NAPOLITANO, 2003, p. 68/69)

Lidar com tais modernidades não foi fácil para os historiadores de início, acostumados a fazer suas análises a partir de documentos escritos e oficiais, essa e outras fontes eram mal vistas, marginalizadas. Segundo Marc Ferro, o filme de início era visto pelas pessoas em geral como uma atração de feira e para os historiadores, a desconfiança era incomensurável. Ele nos afirma que,

“O cinema ainda não era nascido quando a história se constitui, aperfeiçoou seus métodos, parou de narrar para explicar [...] No que diz respeito ao filme e outras fontes não escritas, creio que não se trata de incapacidade nem de retardamento, mas sim de uma recusa em enxergar, uma recusa inconsciente, que procede de causas mais complexas” (FERRO, 1992, p.79).

À medida que os filmes foram ganhando espaço na sociedade, os historiadores, especialmente os que se debruçavam sobre a história das mentalidades, passaram a incluí-los em suas pesquisas. Jorge Nóvoa atesta que,

“ [...] quando o historiador passou a observar o filme, para além de fonte de prazer estético e de divertimento, rapidamente ele o percebeu como agente transformador da história e como registro histórico” (NÓVOA, 1995, p.106).

Contudo, muitas dúvidas permeavam a relação história- cinema neste início, seriam os filmes representações fiéis da realidade? Quais as probabilidades de adulteração de uma imagem? Para a grande maioria dos estudiosos no assunto, um filme testemunha muitas coisas, quando se retrata um passado, o filme na verdade está dizendo mais sobre o presente daquele que o constituiu, do que o próprio passado em si. Hoje se pode afirmar, o filme é um agente da história, e não produto dela. Ferro diz,

“Que o filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História. Já o postulado é que aquilo que não se realizou, as crenças, as intenções e o imaginário do homem, é tanto a História quanto a História.” (FERRO, 1992, p. 203.)

A metodologia então desenvolvida para trabalhar com fontes audiovisuais demanda uma análise completa por parte do pesquisador,

“[...] analisar no filme tanto a narrativa quanto o cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime de governo. Só assim se pode chegar à compreensão não apenas da obra, mas também da realidade que ela representa.” (FERRO, 1992, p.190)

Na relação ensino-aprendizagem e filme, este esforço também se faz necessário, haja vista que para ser entendida efetivamente enquanto fonte histórica prescinde de uma metodologia específica aplicada por parte do professor. Ao se trabalhar de forma correta, o cinema cumpre uma função cultural e social, a qual muitos somente têm acesso no ambiente escolar. De acordo com Marcos Napolitano,
“Trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte.” (NAPOLITANO, 2003, p.11)

Diversas habilidades podem vir a ser desenvolvidas nos alunos diante de um trabalho consciente com os recursos audiovisuais. Segundo Napolitano,

“[...] leitura e elaboração de textos; aprimoram a capacidade narrativa e descritiva; decodificam signos e códigos não verbais; aperfeiçoam a criatividade artística e intelectual; desenvolvem a capacidade de crítica sociocultural e político-ideológica [...]” (NAPOLITANO, 2003, p.18)
  
Além destes, o uso do cinema em sala de aula possibilita ao aluno desenvolver um olhar mais crítico sobre obras midiáticas e a Indústria Cultural. É preciso ressaltar que as competências possíveis de serem desenvolvidas variam de acordo com faixa etária e em relação ao conteúdo escolar proposto.  (NAPOLITANO, 2003, p.18/19)

Em um país de dimensões continentais como Brasil, a realidade econômica desigual reflete diretamente no sistema educacional. A falta de recursos nas escolas compromete o trabalho com recursos audiovisuais, haja vista que em muitas nem os recursos básicos são fornecidos. Os colégios privilegiados que possuem todo o aparato instrumental necessário para a prática enfrentam dificuldades de outra ordem: a pedagógica. Como nos coloca Caimi,

“São preocupações que teimam em permanecer no ideário, sem penetrar efetivamente nos fazeres pedagógicos, ou serem assumidas nos projetos escolares no âmbito da educação básica, senão como experiências isoladas bem-sucedidas, protagonizadas pela iniciativa e opção pessoal dos professores. Muitas inovações metodológicas, não obstante terem sido concebidas com ótimas intenções, conseguiram tão-somente dar um caráter mais lúdico e atrativo à História escolar, sem necessariamente desafiar os conteúdos selecionados, a perspectiva cronológico-linear, a narrativa protagonizada pelo professor e o papel pouco ativo do estudante.” (CAIMI, 2011, p.2)

O trabalho do professor dentro desse contexto extrapola somente o fazer em sala de aula, torna-se necessário um elo entre a pesquisa e o ensino, reflexões teóricas que possibilitem recortes apropriados de tempo, espaço, tema etc. O que nos leva a necessidade de repensar a formação dos futuros professores, dando-lhes a possibilidade de vivenciar ainda dentro da academia essas questões. (CAIMI, 2011, p. 4).

Portanto, o atual entendimento da necessária utilização das mais diversas fontes históricas na composição do processo de ensino-aprendizagem, se ampara no aspecto da valorização do ensino crítico. Os filmes neste sentido apresentam grande potencial para problematização em sala de aula.

Referências

Lays Fernanda Oleniuk é acadêmica de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste, orientanda da Prof. Dra Carmen Lúcia Gomes de Salis.

LE GOFF, Jacques. Documento/ Monumento. In: Enciclopedia Einaudi. Porto: Imprensa Nacional, 1984.
PEREIRA, SEFFNER. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de aula, Porto Alegre, 2008. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/7961
FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992.
NÓVOA, Jorge. Apologia da relação cinema-história. Olho na História, nº1, 2013. Disponível em: http://www.oolhodahistoria.ufba.br/01apolog.html
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.
CAIMI, Flávia Eloisa; LAMBERTI, Mayara Hemann; FERREIRA, Mariluci Melo. o cinema como fonte histórica na sala de aula. Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História. Florianópolis, 2011.

5 comentários:

  1. Bom dia prezada,

    Eu gostei bastante do seu trabalho sobre o uso do suporte filmico em sala de aula. Entretanto, eu gostaria de saber qual seria a metodologia correta que você escreve? Segundo diz na seguinte passagem:

    "Na relação ensino-aprendizagem e filme, este esforço também se faz necessário, haja vista que para ser entendida efetivamente enquanto fonte histórica prescinde de uma metodologia específica aplicada por parte do professor. Ao se trabalhar de forma correta, o cinema cumpre uma função cultural e social, a qual muitos somente têm acesso no ambiente escolar."

    Saudações Cordiais.
    Danilo Sorato Oliveira Moreira.

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  2. Boa tarde Lays, primeiramente parabéns pela reflexão, o uso do cinema é de suma importância para o ensino de História, pois, torna a aula mais dinâmica e interativa, facilitando a aprendizagem dos alunos, gostaria de saber quais os cuidados que o professor deve tomar ao trabalhar com o cinema no ensino de História?

    Seygon da Silva Santos

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  3. Olá Danilo e Seygon, agradeço a participação! Suas perguntas são semelhantes, o professor deve atuar como mediador entre a obra e os alunos. É preciso que ele previamente componha uma proposta didática para nortear sua atividade. Definir os objetivos gerais e específicos previamente de acordo o conteúdo discutido, tomar cuidado com a faixa etária do filme, e ainda com valores culturais, religiosos e morais da classe, para que não haja bloqueio pedagógico. O filme deve ser problematizado junto aos alunos, a escolha da melhor metodologia fica a critério do professor, mas jamais o filme deve ser usado para somente ilustrar ou "matar tempo" em sala de aula.

    Lays Fernanda Oleniuk

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Olá Lays, parabéns pela reflexão.
    Estou registrando novamente o texto, pois o primeiro não consegui enviar. Então, enquanto historiadores temos o desafio de romper com o Ensino tradicional, ainda existente no ensino de nosso país. Trabalhar com fontes históricas em sala de aula é de suma importância e é desafiador. Essa temática faz parte de sua pesquisa de monografia ou de algum projeto em que esteja vinculada? Se sim, como tem sido os caminhos de sua pesquisa, quais desafios tem enfrentado em seu desenvolvimento?
    Luciane Azevedo Chaves

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