JOÃO MATTOS: UM PADRE CORONEL NO INTERIOR DAS MINAS GERAIS (SÃO GONÇALO DO ABAETÉ, 1920-1968)


Edivaldo Rafael de Souza

Existem, no Brasil, diversos trabalhos que discorrem sobre o coronelismo, visto que tal prática originada no Brasil Império perpetuou até meados da segunda metade do século XX. Diante disso, esse trabalho apresenta uma pesquisa sobre o Padre João de Almeida Mattos, que durante muitos anos era afamado como um coronel na cidade mineira de São Gonçalo do Abaeté. Para a atualização desse estudo buscou-se fontes primárias e bibliográficas, além do livro autobiográfico escrito pelo padre em questão.

João de Almeida Mattos nasceu em 13 de julho de 1883,na cidade de Morada Nova de Minas. De berço aristocrático, após morar em outras cidades, o padre, na década de 1920, mudou-se para o arraial de São Gonçalo do Abaeté, que nessa época se chamava Fazenda São Gonçalo. Nesse local ele passou a celebrar missas e batismos. Entrementes, adquiriu,juntamente com seu irmão Messias Mattos, uma grande porção de terras por aquelas bandas. Em relação a sua chegada no lugarejo, o padre enaltece sua coragem e bravura. Segundo Mattos,

“a Fazenda de São Gonçalo era refúgio, esconderijo dos criminosos dos municípios vizinhos e distantes. Transferida a minha residência, todos que por ali passavam ou tinham notícia da minha nova residência, admiravam-se da minha disposição e coragem. Realmente, além de ficar afastado de outros colegas, tinha-se que conviver com um sem número de assassinos, criminosos e malfeitores. Nenhum receio tinha eu” (MATTOS, 1964, p. 37).

Não demorou muito para que Almeida Mattos, juntamente com moradores daquele lugarejo, construísse uma capela. Logo após, o território foi anexado ao município de Tiros – MG, através da lei Nº 843, de 7 de setembro de 1923. A partir disso, o nome escolhido foi São Gonçalo do Abaeté, dedicado ao santo protetor e também ao rio que se encontrava próximo ao distrito. A pequena capela rapidamente cedeu lugar a uma nova Igreja, que passa a se localizar no centro da cidade. Além de missas, passaram a ser realizados batismos, casamentos e primeiras eucaristias, dentre outras cerimônias.

“Os alicerces desta Paróquia de N. Senhora da Conceição de S. Gonçalo do Abaeté foram por mim levantados. Quando D. Silvério ordenou a minha transferência, deixando a sede do distrito de Canastrão, havia aqui apenas roceiros, beirarios, malfeitores, que se distinguiam por seus crimes e carabinas” (MATTOS, 1964, p. 42).

Com o passar dos anos, a população do arraial foi aumentando. De maneira que vários comércios foram abrindo suas portas por ali. Como os fazendeiros e empregados da zona rural precisavam fazer compras de bens de consumo, as populares vendas faziam a alegria dos agricultores.

Na região também existiam outros afamados fazendeiros, que eram pessoas que ostentavam suas riquezas através da quantidade de alqueires de terras ou cabeças de gado. Um deles era o coronel Zeca Lopes (José Lopes Cançado), que, de início, tornou-se amigo do padre; posteriormente, porém, veio a ser seu inimigo político.

No Brasil, os coronéis eram representados principalmente na figura de grandes proprietários de terras, no entanto, existiam algumas exceções, como ressalta Janotti:

“[o] coronel nem sempre era um grande fazendeiro. Mas era um chefe político, de reconhecido poder econômico, que conseguira apoio e prestígio junto ao governo estadual, na razão direta de sua competência em garantir eleições situacionistas ” (JANOTTI, 1981, p. 41).

O padre João de Almeida Mattoscontinuava a sua vida religiosa, estando, paralelamente, envolvido em todas as esferas da administração pública. Na primeira ata de discussão sobre a emancipação do pequeno distrito, o professor e escritor Acrísio Braga transcreve a pauta da reunião:

“Aos oito dias do mês de dezembro de mil novecentos e quarenta e um (1.941), em casa particular desta Vila de São Gonçalo do Abaeté, município de Tiros, com a presença do Rvmº Sr. Vigário local, Padre João de Almeida Mattos, (...) realizou-se a primeira reunião preparatória dos trabalhos que se processam com o fim de pleitear-se, junto à preclara Administração do Estado a emancipação desse distrito” (BRANDÃO, 1993, p. 101).

Ainda sobre a reunião:

“Abriu-se a sessão que foi presidida pelo Rvmº Padre João de Almeida Mattos que, em breves palavras, expôs as causas das dificuldades que encontravam o nosso progresso, pelo que forçosoera promover, quanto antes, os meios necessários para que São Gonçalo do Abaeté se constituísse município independente” (BRANDÃO, 1993, p. 101).

De acordo com Barbosa (1995, p. 314),“[o] município foi definitivamentecriado pelo decreto-lei nº 1058, de 31 de dezembro de 1943, com os distritos de São Gonçalo do Abaeté, Canoeiros (ex-Canoas) e parte do distrito de Canastrão, desmembrados do município de Tiros. ”

A participação de forma decisiva na criação do novo município renderia frutos ao padre, pois o primeiro prefeito nomeado da cidade foi o seu irmão, Messias Mattos. Além disso, como líder religioso e de grande prestígio na localidade que era, abrir-se-iam caminhos para que o próprio padre coronel se lançasse como candidato.

Em 1951, Padre João candidata-se a prefeito de São Gonçalo do Abaeté. Essa disputa eleitoral pôs frente a frente o líder municipal do PSD e da UDN. O pároco era candidato pelo PSD, já Waldemar Lopes Cançado representava a UDN. Ressalta-se que essas disputas já estavam ocorrendo mesmo antes da candidatura de ambos, pois, algum tempo antes, o conhecido coronel Zeca Lopes, pai de Waldemar Lopes Cançado, já havia se desentendido com o padre por conta de rixas políticas, principalmente.

Na eleição supracitada ocorreram vários episódios: a urna eleitoral do distrito de São Domingos foi destruída, enquanto a do distrito de Canoeiros, roubada. Assim,

“sem a apuração das seções de Canoeiros e São Domingos, o Padre João Mattos (PSD) conseguiu se eleger. Todavia, com grande ajuda de forças policiais, foi possível realizar novas eleições nas localidades que haviam tido problemas. Por meio disso, o prefeito eleito foi Waldemar Lopes Cançado (UDN)” (SOUZA, 2018, p. 146).

Waldemar Lopes Cançado, apesar de eleito, não assumiu seu cargo, sob justificativa de temer por sua vida, em virtude dos acontecimentos. Posteriormente, continua-se a peleja e as rixas entre padre Mattos e seus opositores, a ponto tal de na mídia noticiarem que “em São Gonçalo do Abaeté verificou-se um conflito que resultou cerrado tiroteio numa rua onde passava concorrida procissão religiosa (...)” (O Globo. Rio de Janeiro: 8 jun. 1951, p. 2).João de Almeida Mattos escreve que

“[e]m abril de 1952 assumia a direção do município, como substituto do prefeito, o então presidente da câmara, cidadão Salvador Guilherme Raymundo, nosso grande e decidido companheiro de lutas, grande comerciante e fazendeiro do município” (MATTOS, 1964, p. 75).

É interessante notar que após o candidato da UDN se recusar a tomar posse, o novo prefeito que assume o cargo vago é amigo de João Mattos.

Em 1964, o padre foi agraciado com otítulo de monsenhor. Poucos anos depois, em 13 de fevereiro de 1968, João Mattos falece. Após a sua morte, o padre foi homenageado tendo o seu nome colocado na avenida principal de São Gonçalo do Abaeté. Além de outras homenagens prestadas a seus familiares, há também uma escola na referida avenida, com o nome de Martinho Mattos, pai do ex-prefeito.

Muitas pessoas que adentram naquela pequena cidade do interior de Minas não conhecem muito sobre a vida deJoão Mattos; este que, que além depadre, coronel e fazendeiro, de acordo com o concluído na presente pesquisa, pode ser também considerado como uma figura marcante, excêntrica e peculiar naquela região em passados tempos.

REFERÊNCIAS:
Possui graduação em História pelo Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). É Especialista em Metodologia do Ensino de Sociologia pelo Instituto Superior de Educação Ateneu (ISEAT). Pós-graduado em Biblioteconomia pela Faculdade Futura e graduando em Serviço Social pela Universidade Santo Amaro (UNISA). É também professor regente de aulas de História na Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE-MG). E-mail: edivaldorafael007@gmail.com

BARBOSA, Waldemar Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995, vol. 181.
BORGES, Fernando Antônio. João de Almeida Mattos: um coronel de batina. Monografia de graduação em História, Centro Universitário de Patos de Minas, 2005.
BRANDÃO, José da Silva.São Gonçalo do Abaeté e sua gente. Belo Horizonte: AMG, 1993.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Globo, 2001.
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MATTOS, João de Almeida. 60 anos de batina: sacerdote e cidadão. São Gonçalo do Abaeté: [s. n.], 1964.
SOUZA, Edivaldo Rafael de Souza. De distrito a cidade: a emancipação político-administrativa de São Gonçalo do Abaeté – MG (1923- 1952). Patos de Minas: Pergaminho (9): 138-148,dez. 2018.
JORNAIS:
O Globo. Rio de Janeiro: 8 jun. 1951, p. 2.

4 comentários:

  1. Olá Edivaldo Rafael, parabéns pelo texto.
    Sujeitos históricos como o seu objeto de estudo são de sua importância para entendermos nosso processo de formação como sociedade, pois foram atores sociais que agiram sobre uma região e sua população, ainda mais atrelado a práticas coronelísticas tão comuns e passado e ainda bem marcadas em tempos atuais. Nesse ínterim é que vemos a importância dos estudos biográficos e da micro-história na revista a esses sujeitos. Gostaria de saber se o seu estudo já está concluído e se em algum momento você usa a metodologia da história oral, já que a finalização do seu recorte não é tão distante. Tal metodologia enriqueceria seu trabalho com visões diversos sobre seu objeto de estudo.
    PAULO TIAGO FONTENELE CARDOSO

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    1. Obrigado pela leitura. já publiquei alguns artigos sobre História local,sendo que, nessas pesquisas eu também utilizo fontes orais. Nesse sentido, acredito também que são excelentes fontes para o uso do pesquisador.

      Atenciosamente, Edivaldo Rafael de Souza.

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  2. Achei bastante interessante o relato sobre meu antepassado, tio de meu pai. Parabéns pelo trabalho.

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