JAPÃO DO SÉCULO XVI E XVII: DA EXPANSÃO COMERCIAL AO ISOLAMENTO


Kleiton Tariga de Mattos
Naiane Inez Cossul



A terra do sol nascente por muitas décadas foi um país desconhecido para grande parte da Europa, que segundo Yamashiro (1978), apenas com o relato de Marco Polo, o qual acreditava que o Japão era uma terra rica em ouro, o país ficou conhecido além da Ásia. Isso atraiu o interesse de muitos países europeus, como Portugal e Holanda, os quais estavam em processo de colonizar diversos países da África, América e Ásia. No entanto, a terra do sol nascente vai ter diferentes resoluções comparadas as outras colônias, não tendo o processo de colonização. Esse texto buscará abordar as relações internacionais e nacionais do Japão do séc. XVI até XVII, principalmente o que impediu a colonização de países europeus no país.

“Em resumo, o Japão não sofre nenhum arranhão na integridade do seu território, numa época em que muitos países orientais caem sob o domínio ocidental, ou perdem parte do seu território” (YAMASHIRO, 1978). Antes disso, é preciso entender a unificação de um país que viveu séculos em guerras de senhores feudais (daimyos), onde a figura do Imperador acabou se tornando apenas figurativa. Além disso, tudo isso envolverá o comércio exterior e a entrada de novas religiões no país, como o catolicismo.

O primeiro grande contato entre os japoneses e europeus foi em 1543, onde portugueses foram informados sobre a ilha do sol nascente. Assim, partiram para o sul do País, onde desembarcaram em Tanegashima, hoje a região é conhecida como Kagoshima, bem no sul de Kyushu. Essa relação teve uma grande mudança no sentido militar e comercial do país. O maior impacto para o Japão, e o que mudaria totalmente o rumo das guerras no país, foi à introdução dos arcabuzes, pelo fato que os japoneses nunca tinham tido antes o contato com uma arma de fogo. Isso causou impressões positivas e gananciosas de senhores feudais japoneses, tendo rapidamente importado para o exército e até a criação de fábricas em Sekai. Isso foi um bom começo para uma relação duradoura entre Japão e Portugal, tendo os portugueses ampla preferência comercial no sul do país, desembarcando em diversos porto de Kyushu. E assim, o país do sol nascente foi introduzido no sistema econômico mundial, antes por tantos séculos desconhecidos. Anteriormente, apenas mantinha relações com seus vizinhos como Coreia e China, tendo destaque o segundo, que impactou a cultura japonesa.

Em seguida, começou um período curto, menos de 30 anos, mas que será responsável por mudar estruturas econômicas, religiosas e sociais no país: o Período Azuchi-Momoyama, ou também conhecido como época de Oda e Toyotomi (1543-1600). Por muitos anos no momento anterior a este, Período Muromachi (1336-1573), o Japão era um país em uma grande guerra civil interminável onde nem o Imperador poderia mudar isso. No entanto, Nobunaga Oda, um senhor de um pequeno e humilde feudo mudaria a história do país, através de uma aliança com um poderoso vizinho, Ieyasu Tokugawa, que armaram com mosquetes mais de 3.500 soldados contra uma sangrenta guerra contra Katsuyoshi Takeda, um dos generais mais poderosos e influentes. Conseguir essa vitória mudou totalmente o modo de batalhar no Japão e consagrou Oda como um grande estrategista militar. Adiante disso, para unificar todo o Japão, era preciso derrotar os seus três grandes adversários:

“1. Os grandes templos budistas proprietários de enormes shoen que mantêm forças militares próprias (os sohei-soldados sacerdotes); 2. Os grandes daimyo como os Asai de Ohmi, Asakura de Echizen, Takeda de Kai, Uesugi de Echigo, Moori de Chugoku etc. e 3. os rebeldes budistas da seita Ikkô, das regiões Nordeste, Tokai e Kinki, organizadores nas aldeias que resistem à autoridade dos daimyo nessas áreas (YAMASHIRO, 1978, p. 102).”

A questão religiosa foi um dos grandes desafios de Oda, onde o país estava dominado pelo período de decadência do budismo, onde diversos templos estavam sendo liderados por monges corruptos, que tinham grande força e até seus exércitos populares. Para combater isso, Oda permitiu e favoreceu a entrada de jesuítas, que vieram para o país em uma Companhia de Jesus, liderados por Francisco Xavier, muito parecido com o que fizeram em outras colônias. Todavia, diferente dos outros países, no Japão os jesuítas seriam mais supervisionados, mas tinham total liberdade para levar a palavra para o povo japonês, podendo até mesmo dar seminários para nobres e seus filhos, até a construção de igrejas para a catequese. Isso foi uma grande ofensa para diversos templos budistas que armaram resistências contra Oda, os quais foram massacradas por exércitos do senhor feudal que cada vez mais estava dominando o país inteiro.

Durante o processo, Oda não conseguiu unificar o país, pelo fato que foi traído por um dos seus mais confiantes generais, Mitsuhide Akechi, que tinha um grande relacionamento com Oda. Quem conseguiu realizar o grande sonho de Nobunaga Oda, foi o seu braço direito, Hideyoshi Toyotomi, que vai ser conhecido na História do Japão, como uma das figuras mais impressionantes do país. De origem humilde, filho de camponeses, Hideyoshi, que tinha a alcunha “Sarumen Kanja”, que se traduz literalmente como “Cara de Macaco”, devido à grande semelhança de Hideyoshi com o animal. Depois de Hideyoshi vingar o seu mestre matando Akechi, se foca em terminar o que Oda começou e conseguiu de forma próspera para o país.

Voltando para a relação com religião, no começo, Hideyoshi estava positivo em relação ao cristianismo, no entanto, com a chegada de espanhóis no país e rumores que estavam tramando revoltas cristãs, para assim, transformar o país em uma colônia espanhola, Hideyoshi vê isso como uma grande afronta e muda totalmente a política que seu mestre falecido construiu, e agora volta-se contra todos os cristãos, tendo executados vários sacerdotes e fiéis em praça pública, para assim, mostrar para europeus que o Japão não iria permitir tamanhas afrontas.

No sentido comercial, principalmente depois de conquistar alianças com Tokugawa e Moori, o seu foco foi à boa relação com grandes comerciantes, onde todos apoiaram a causa de Hideyoshi. Assim, o país que passou mais de 200 anos em guerra civil, agora se torna um país centralizado e Hideyoshi se torna o grande senhor do país, mas não recebe o título de Xogum, pelo fato de ser de origem humilde. Além disso, ainda matinha um grande respeito à família imperial, mesmo tendo retirado o poder do Império, algo que dura até os dias de hoje no Japão.

A política de Hideyoshi vai se preocupar em reestruturar o país, com uma administração direta controlando grande parte da plantação de arroz, principal atividade econômica do país. Além de incentivar a explorar minas de prata e ouro. Todas essas atividades foram reformuladas e colocadas em áreas de mais fácil administração, tudo para ter o total controle da economia do país, que se destacava na arrecadação de tributos. Para isso, continuou a sua perseguição a templos budistas que por anos dependiam desses impostos, para isso, segundo Yamashiro (1978): “Nobunaga e Hideyoshi não somente eliminam a influência religiosa da esfera mundana, como quebram a organização monopolista no mundo comercial. Abrem um novo horizonte nas atividades industriais e comerciais.”

Tendo o total controle do comércio interior, as próximas atividades serão o comércio exterior onde o país vinha em desenvolvimento com países europeus como Portugal e Holanda. Hideyoshi queria “Uma vez consolidada a obra de unificação nacional, procurar exercer sua influência sobre os países vizinhos. O objetivo era o comércio” (YAMASHIRO, 1978) com a anexação de países como Coreia, China e Filipinas. Essa seria a ideia fatal para Hideyoshi, que segundo Kennedy:

“Esse cenário animado, embora turbulento, seria modificado logo com o uso de armas europeias importadas. Como estava acontecendo em outras partes do mundo, o poder gravitava na direção das pessoas, ou grupos, que dispunham de recursos para comandar um grande exército com mosquetes e, o que era mais importante ainda, canhões. No Japão, o resultado foi a consolidação da autoridade do grande senhor guerreiro Hideyoshi, cujas aspirações acabaram levando-o a duas tentativas de conquistar a Coreia. Com o fracasso destas e com a morte de Hideyoshi em 1598, a guerra civil voltou a ameaçar o Japão. Dentro de cinco anos, porém, todo o poder se consolidava nas mãos de Ieyasu e seus companheiros xoguns do clã Tokugawa. Desta vez, o governo militar centralizado não podia ser abalado (KENNEDY, 1989).”

A morte de Hideyoshi marcou um ponto fulminante para o Japão, e estabeleceu o seu antigo aliado Ieyasu Tokugawa como o grande governante do Japão. O fracasso na guerra da Coréia e a repressão contra cristãos fez o país que estava em ascensão econômica, seja em relação exterior ou interior, fechar as suas portas. Tokugawa em seus primeiros anos ainda mantinha relações econômicas com outros países, mas segundo Yamashiro:

“Na época em que Ieyasu instala seu regime (1603), a situação mundial sofre considerável transformação. Espanha e Portugal, até então países mais poderosos da Europa, entram em decadência. Em seu lugar surgem as novas potências, Inglaterra e Holanda. Esta, de possessão espanhola passa a Estado independente e, em pouco tempo, começa a competir com a antiga metrópole no palco mundial. A rivalidade entre os dois grupos de nações se manifesta tanto no terreno comercial como no religioso, pois enquanto os países ibéricos são católicos, a Holanda e Inglaterra professam o protestantismo. E em solo japonês as duas forças se defrontam em forma de competição comercial. Os holandeses levam a melhor porque os portugueses e espanhóis acabam sendo proibidos de entrar no Japão com a proscrição do catolicismo.

Tokugawa manteve relações econômicas mais restritivas, apenas poucos navios podiam desembarcar em um porto japonês. O Japão observava o que estava acontecendo na China, Índia, Filipinas etc, onde grandes impérios estavam se transformando em meras colônias para a exploração e “divertimento” para monarquias europeias. Sendo assim, quando o Xogunato de Tokugawa conseguiu total controle do Japão, foi decretado o fechamento do país, conhecido como Período Edo, começando uma forte repressão contra estrangeiros e desenvolvimento modernizante do país. Ao mesmo tempo, foi o período de paz mais abrangente do país, quase 268 anos sem grandes guerras, até mesmo transformando inúmeros samurais em meros burocratas. Isso só irá mudar em 1868 com a ascensão do Império Japonês, tendo a queda do Xogunato Tokugawa, conhecida como Restauração Meiji, onde o governo imperial retornou ao poder e abriu as portas para o exterior e para modernização do país.
        
Portanto, o texto tenta elucidar os motivos para o total isolamento do país em relação ao exterior por mais de 200 anos. Muito aconteceu para que um país que buscava o comércio exterior e tentativas fracassadas de dominar os países vizinhos se transformasse em um país fechado. A ascensão do cristianismo que pegou diversos fiéis que estavam desiludidos com o velho xintoísmo e a corrupção de monges budistas, trouxe novo pensamento para essa população, inclusive pensamentos até mais liberais, mas que foi totalmente reprendido pelo medo de serem culturalmente e religiosamente dominados por forças europeias. Muitos historiadores tentam entender se isso foi benéfico para o povo japonês, já que no Período Imperial tudo isso foi absolvido e abriu portas para a dominação cultural americana nesse período da Era Meiji.



Referências bibliográficas:

Kleiton Tariga de Mattos é Graduando em História no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). E-mail: kleiton.mattos@gmail.com

Naiane Inez Cossul é Professora de Relações Internacionais no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e Coordenadora do Laboratório de Estudos em Defesa e Segurança (LEDS). É também Doutoranda em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI-UFRGS), Mestre e Graduada em Relações Internacionais (UFSC). E-mail: naiane.cossul@uniritter.edu.br

KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro:  Campus, 1989. 

YAMASHIRO, José. Japão: Passado e Presente. São Paulo: Hucitec, 1978.

LEUPP, Gary. Male Colors: The Construction of Homosexuality in Tokugawa Japan. California: University Of California Press, 1995.

4 comentários:

  1. Muito boa a temática apresentada. Parabenizo os autotes pelo texto.
    Considerando o comentário presente no último parágrafo que diz "Muitos historiadores tentam entender se isso foi benéfico para o povo japonês", questiono: a partir da perspectivas de análise de vocês, quais consequências positivas e negativas esse fechamento japonês provocou para a região?

    Wendell P. Machado Cordovil

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fico grato que tenha gostado do texto, ainda no Brasil, o Japão é um tema pouco desenvolvido e com poucas fontes, fico feliz em ajudar.
      Sobre a sua pergunta, o projeto isolacionista que a família Tokugawa propagou no Japão teve diversos efeitos na cultura e mentalidade do povo japonês. Antes deste isolamento, muito se via o Japão tendo contatos com países europeus e principalmente a China, na qual, suas culturas muito advêm com diversas semelhanças, o povo japonês aprendeu muito com os chineses em períodos anteriores.
      Começando com as consequências positivas, quando tivemos essa busca pelo isolamento, o país conheceu um período conhecido como Paz Eterna, sem mais as grandes guerras entre os daimyos, o povo japonês que sofreu por séculos em um território sempre em estado de guerra e terror, agora se via em um território relativamente pacífico tendo até mesmo samurais cada vez mais perto de perder suas katanas e virarem apenas funcionários públicos ou vagabundos.
      Partindo agora para o negativo, essa política acarretou em um desenvolvimento de uma mentalidade deverás fechada e às vezes sendo com casos de xenofobia, principalmente nas áreas de cidades pequenas e rurais até os dias de hoje no Japão. Isso foi ainda mais inflamado pelas constantes perseguições contra grupos de outros países dentro do Japão e fechamento de seus portos, tendo destaque contra a perseguição contra cristãos. Além disso, isso também influenciou diretamente no pensamento nacionalista que o Império Japonês buscou desenvolver nos séculos XIX e XX, que teve sua ascensão durante a Segunda Guerra Mundial. E nessa época foi a maior abertura do Japão, onde acarretou em uma dominação americana e de grupos criminosos em seu território como a Yakuza.

      Excluir
  2. Muito elucidativo esse texto sobre um período tão vasto da história da terra da tradição e modernidade, parabéns aos envolvidos.
    Pensando na postura adotada pelo Japão no período, pode-se falar que sua atitude de reclusão influenciou outros povos asiáticos a tomar medidas semelhantes para evitar a dominação europeia?

    Kevin Lucas Alves Vieira

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fico grato que tenha gostado do texto, ainda no Brasil, o Japão é um tema pouco desenvolvido e com poucas fontes, fico feliz em ajudar.
      O Japão é um exemplo de resistência contra o imperialismo que advinha da Europa no período. Tendo assim, sua cultura muito resguardada, podendo assim ser o país da tradição e modernidade. Foi um grande exemplo para a Ásia, no entanto, o colonialismo teve uma grande ascensão no território asiático, com as maiores potências asiáticas acabando sendo dominados como aconteceu com a Índia e China. Por isso, muitos historiadores entendem que essa atitude do Japão foi algo impar na Ásia.

      Excluir