Nikolas Corrent
RESUMO:
O
presente estudo tem como tema a construção de uma identidade feminina às mulheres
de descendência ucraniana no município de Prudentópolis (PR). A problemática que
envolveu a pesquisa foi o tratamento dado às mulheres ucranianas,
historicamente refletido na cidade paranaense, e evidenciar a importância dessas
no interior da cultura ucraniana. A realização do estudo é justificada pelo
fato de que há um fluxo cultural em Prudentópolis que ressalta uma herança
cultural e constrói um novo olhar sobre um povo a partir de sua descendência no
Brasil. A metodologia utilizada abarcou, além de um referencial teórico, uma
pesquisa de campo com entrevistas sucintas com mulheres da cidade sobre
aspectos da feminilidade e da cultura herdada e motivada por elas. A pesquisa
apontou que há um fator multicultural, que por vezes causa espanto em
visitantes, mas que preserva um encantamento e a possibilidade de encontro entre
povos com respeito e tolerância. Logo, considera-se que o trabalho é relevante
para a construção e desconstrução de paradigmas engessados sobre culturas e o
posicionamento do feminino.
PALAVRAS-CHAVE: Prudentópolis.
Identidade. Ucrânia. Mulheres. Cultura.
INTRODUÇÃO
O presente estudo refere-se a uma
pesquisa de campo realizada em Prudentópolis (PR) com o intuito de compreender o
papel das mulheres de descendência ucraniana no município.
Nesse sentido, a discussão que aqui se
apresentará tem como propósito a problematização e reflexão sobre elementos que
viabilizem a compreensão das características das mulheres ucranianas e suas
construções sociais dentro de determinada sociedade. No caso dos pontos
presentes nesta abordagem em específico, trataremos, por excelência, de
pincelar questões sócio-culturais e regionais que sublinham o diálogo acerca do
que se entende como mulher dentro de Prudentópolis.
O problema de pesquisa que norteou o
estudo se baseia no fato de que as características demográficas e populacionais
no município brasileiro de Prudentópolis, localizado no Estado do Paraná,
condensam uma gama de mulheres com especificidades culturais únicas. Haja vista
o tema colocado, nós delinearemos a perspectiva e as implicações da influência
e, consequentemente, edificação de uma cultura ucraniana feminina dentro da
sociedade prudentopolitana.
Ainda sobre a problemática, nota-se conceitos
e ideias que permitem expressar consistentemente a questão da formação da
mulher ucraniana na constituição de um povo. Isso significa que, de um modo bem
específico, em primeiro instante, há elementos bem nítidos em relação ao que é
a feminilidade em sua formação. Assim, procura-se relacionar as teorias
abarcadas ao longo do artigo com a formação do município de Prudentópolis enquanto
município originado, em grande parte, embora localizado no Sul do Brasil, a
partir de imigrantes europeus oriundos da Ucrânica, no início do século XX.
Como hipótese inicial, considera-se
que, em termos gerais, queremos compreender, de saída, o que se quer dizer com
a ideia de “mulher ucraniana”. No decorrer do texto, usamos o termo mulheres
ucranianas entre aspas, pois são mulheres cuja descendência é a ucraniana, mas
não tiveram seu nascimento e origem na Ucrânia. Mas em sequência, poderemos
relacionar este conceito com questões um tanto quanto específicas do
regionalismo formador das cidades, mais especificamente a partir do estudo de
caso do município de Prudentópolis (PR).
Trata-se então de entender como e se a
formação da mulher implica em manutenção completa de uma forma própria de ser
da mulher ucraniana, ou se, a partir da imigração de um povo oriundo de um
continente distante, tem-se o surgimento de um novo povo e de um novo modo de
vida, de maneira que a ideia das mulheres ucranianas, agregadas ao Brasil, faz
surgir mulheres com costumes e criações peculiares, implicando assim, nem numa
separação completa do imigrante europeu de seu país, nem numa desagregação ou
desconstrução abrupta e radical dessa mudança em face de uma imposição geográfica,
política e sócio-cultural brasileira e supostamente pré-determinada.
A realização do estudo é justificada
pelo fato de que há um fluxo cultural em Prudentópolis que ressalta uma herança
cultural e constrói um novo olhar sobre um povo a partir de sua descendência no
Brasil. Além dessa motivação, há outra que se deve ao fato de que 75% da
população de Prudentópolis é constituída de pessoas de descendência ucraniana;
assim sendo, tornou-se necessária a discussão temática proposta pelo artigo.
A metodologia empregada se baseou em
pesquisa bibliográfica, que compõe obras diversas relacionadas ao
multiculturalismo, às mulheres, às tradições e identidade e à análise de dados
a partir das mesmas. A pesquisa também pode ser considerada descritiva e
exploratória, pois o problema de pesquisa aborda principalmente esse reflexo e
ressonância entre culturas, de modo que se deseja caracterizar elementos fortes
e presentes de uma cultura na outra, numa maneira a qual se possa identificar o
que de fato ocorre no seio de um encontro entre dois modos de vida ou mais.
Espera-se que o estudo seja relevante
para a compreensão da formação identitária das mulheres ucranianas, e para o
reconhecimento das mesmas no interior de uma cidade paranaense, e na projeção
maior do Brasil como um polo de diversidade e acolhimento.
IDENTIDADE E
DOMINAÇÃO: AS “UCRANIANAS” DE PRUDENTÓPOLIS
A dissertação de Sandra Mara Tenchena,
intitulada Memória de Mulheres
Ucranianas: Recriação de Tradições em Prudentópolis-PR, deflagra tanto o
aspecto de acolhimento que parece imbutido na questão, como também o eventual
preconceito ou resistência que essa mulher ucraniana irá sofrer. Logo, quando
se fala da mulher ucraniana, um estudo antropológico como o de Sandra faz
pensar diversas tonalidades do problema. Um deles é o fato de que a mulher
ucraniana toma a liderança em diversas questões. Mas ainda assim, é preciso
saber que toda a chance que a mulher adquire no país pode mascarar ou não um
problema velado que vem da própria cultura das terras geladas do hemisfério
norte.
Para Sandra Tenchena, a mulher
ucraniana é extremamente forte, meiga e divertida, bem como “[...] o homem
ucraniano não é machista e não determina a vida familiar, pois são as mulheres
que se colocam como cabeça do núcleo familiar, são elas quem discretamente
falam e decidem tudo” (TENCHENA, 2010).
Seria mesmo o homem ucraniano tão
acolhedor como parece neste relato? Ou será que, quando se trata da região sul
do Brasil, muito vem à tona, e por isso mesmo a desconfiança quanto a um processo
de adjacência do acolhimento: Há no Brasil a notória vizinhança com países
latinos tais como Paraguai, Uruguai e Argentina, a culinária forte, peculiar e
até excêntrica, o clima temperado e ainda bastante oscilante em algumas épocas
do ano, mas também, sem dúvidas, a influência da cultura e dos costumes
europeus. Teremos nós verdadeira adoração, preconceito, ou melhor, adotaremos
até mesmo seus preconceitos velados? Considera-se isto um imaginário que o
grupo pesquisado tem de si, onde esse tipo de pensamento afaga seus próprios
egos, mas não corresponde a uma realidade verdadeira. Os prudentopolitanos
descendentes de ucranianos preservam traços de memória como se fosse uma
herança valiosa, mas nada mais é do que o desejo e a busca de uma identidade, que
se constrói pela diferença.
O mote deste trabalho, como dito
anteriormente, é a formação de uma perspectiva sobre as mulheres ucranianas no
município de Prudentópolis, no Paraná. Nesse sentido, foram pesquisados dados
relativos aos moradores do município com ascendências e descendências diretas
da Ucrânia. Com isso, debateremos, como num estudo, as questões expostas na
primeira parte deste capítulo no que concerne às teorias envolvendo contemporaneidade
e formação de culturas, inserindo, como foi dito, o problema dentro do quadro
da construção do paranaense-ucraniano (GUÉRIOS, 2007).
A mulher ucraniana, não sofreria,
nesse sentido, por mais que se tente acolhê-la, um enorme descaso machista, de
seus conterrâneos dentro de uma Terra estrangeira? Como a perspectiva global
permite, o papel da mulher como organizadora de tudo, ou seja, como a matrona
dos processos decisórios na cidade, pode esconder uma opressão não antes
imaginada do homem ucraniano, e aí, se teria dado aval ao machismo em face de
uma naturalização do mesmo enquanto divisão social de tarefas da mulher
ucraniana.
A mulher então, nessa perspectiva
geral da cultura ucraniana a qual se tem sempre que remontar, a todo momento,
caso se queira realizar uma etimologia, pode ser pintada não tanto mais como
mulher forte, tal como dizia o texto de Tenchena. Aliás, a própria Sandra
Tenchena, sem ressalvas em alguns momentos, atribui ao homem ucraniano no
Brasil o tom do machismo novo que se criaria por aqui. Segundo ela:
As mulheres mais velhas, quando
entrevistadas, relataram-me as marcas de uma educação rígida de acordo com os
costumes ucranianos nos quais a mulher deveria ser resguardada para o
casamento, pois se observa a demarcação entre os papéis femininos e masculinos,
outorgando maior liberdade ao homem, porém observa-se que a mulher ucraniana
também conversava muito com seu marido e os dois chegavam a um consenso, ou
seja, aparentemente o homem ucraniano machista aceitava sugestões de sua esposa
e estava aberto ao diálogo (TENCHENA, 2010, p. 123).
Considerando que as mulheres rutenas
vieram ao Brasil, estabelecendo-se em diferentes colônias do Paraná, cabe
observar que cada uma delas trouxe um determinado aspecto da região respectiva
a qual seus habitantes trouxeram a migrar. Assim, se oriundos de determinada
região da Ucrânia, ou de uma região limítrofe russa, podemos dizer que a ruteno
ou ucraniana “pura”, chegou ao Brasil em completo devir, ou seja, sujeito a
mudanças as quais a nova terra poderia de alguma maneira proporcionar.
Por isso, quando se fala de mulher,
mesmo nas entrevistas e nas pesquisas de campo, procura-se construir uma
perspectiva nada agressiva, mas pelo contrário, a perspectiva da mulher como
sobrevivente a guerras e representante do povo que lutou para que elas vivessem
até ali.
A mulher aparece ainda mais como
testemunho, seja de um processo de colonização, comparado aos liames dos EUA e
outros países, seja a um processo de reconstrução de sua identidade feminina na
atualidade. Consoante as palavras ainda de Tenchena:
As mulheres mais jovens, por terem
nascido em um momento histórico mais privilegiado, no que tange às conquistas
femininas e pelo fato de terem tido mais acesso à escolaridade e à inserção no
mercado de trabalho, evocam uma educação pautada por comportamentos menos
rígidos, levando-as a usufruírem de maior liberdade nas escolhas de seus
parceiros e profissão, mas não deixam de lado os costumes, as tradições e a
religião, adaptado-as ou recriando-as ao novo contexto (TENCHENA, 2010).
Observa-se que há uma dominação
masculina fortemente presente na sociedade ucraniana em Prudentópolis. Essa
dominação acabou sendo incorporada como algo natural pelas descendentes de
ucranianos considerando que elas – esposas e filhas –, acabam implantando essa
relação de obediência em sua rotina como algo irreversível. Não percebendo sua
condição de dominadas, as mulheres, acabam reproduzindo essa subserviência.
Conexo a isso, Pierre Bourdieu, em sua
obra Dominação Masculina (1999),
cita que “[...] as religiões inculcam explicitamente uma moral marcada por
valores patriarcais, e modelam estruturas históricas do inconsciente por meio
do simbolismo presente nos textos sagrados da liturgia, do espaço e do tempo
religioso” (p. 103).
Historicizando o processo de
dominação, Bourdieu (1999) alerta para a ideia de que a feminilidade da mulher
é um fato pressuposto pela sociedade e tal característica faz dela um ser “para
o outro”. No caso da mulher, então, o marcante é o fato de que a dificuldade no
mercado de trabalho é acentuada ou preservada desde os liames da revolução
industrial. O papel da mulher é ampliado, seja no funcionamento da direção de
diversas atividades cidadãs, seja como trabalhadora a qual coloca dinheiro na
vida familiar. Mas ainda assim, o aspecto de mulher dona de casa prevalece,
seja entre as jovens ou não. Conta Tenchena que:
Contra a dominação e a vitimização
surge a ideia pós-moderna de desconstrução das perspectivas de identidade,
destacando-se a subjetividade feminina em detrimento dos conceitos essencialistas
de sujeito. Hall (1997) potencializa o conceito de “identificação” para
delinear a conceituação de identidade.
Compreende-se que a identidade é um
fator construído gradativamente no interior de discursos e que satisfaz a
hierarquia de poder. Sendo assim, o discurso de uma sociedade patriarcal produz
um sentido específico para as mulheres, fazendo com que haja a constituição da
identidade feminina. A dominação masculina é aprendida pelo homem e absorvida
pela mulher inconscientemente.
Em Prudentópolis, nota-se uma função
fortemente atribuída às mulheres de descendência ucraniana: a de preservar os
costumes. Segundo Krevei, “[...] as mulheres tem que cuidar dos filhos e da
casa. As mães são responsáveis pela transmissão das tradições e costumes aos
filhos, sendo ensinado o jeito de ser ucraniano” (KREVEI, 2017). Destaca-se
aqui o papel praticado pelas mulheres ucranianas diante da preservação e
manutenção das tradições.
Na atualidade, percebe-se que as
mulheres de descendência ucraniana ainda tem como intuito ensinar
principalmente os pratos típicos ucranianos, os rituais de páscoa, a
valorização da religião etc. O padre Tarcísio Orestes Zaluski, acredita
que:
A mulher é respeitada, tem um papel no
cuidado da casa, preocupação com a vida da família, costumes, educação dos
filhos e religião. A mulher é grande incentivadora de praticar costumes dos
antepassados, mulheres exercem grande papel nas festas tanto familiares como
religiosas (ZALUSKI, 2017).
Historicamente, as “mulheres
ucranianas” estão/estiveram/estarão inseridas em uma estrutura patriarcal que
as direciona ao casamento e à submissão conjugal. Por um lado, pode-se ver a
mulher como sujeita a um fardo, mas por outro, tem-se aí a força da mesma
diante da capacidade que adquire perante aos mandos e desmandos de um possível
totalitarismo e rejeição cultural brasileira contra o estrangeiro. Tenchena,
quando pesquisou sobre a memória de mulheres ucranianas em Prudentópolis, sobre
a “predestinação ao casamento”, ela observa que:
Para as entrevistadas na faixa etária
de 15 a 18 anos, elas pretendem casar e procuram um descendente de ucranianos
porque dizem que estes são mais trabalhadores e respeitosos, os brasileiros,
segundo elas, só pensam em brincar, sendo assim, pensam em casar com
descendente de ucraniano e com os brasileiros elas só “ficam”. Elas dizem
também que querem um casamento segundo as tradições ucranianas [...] (TENCHENA,
2010, p. 47).
Conforme Stuart Hall (1997) “[...] as
sociedades estão constantemente sendo descentradas” (HALL, 1997, p. 17), e a necessidade de trazer à tona os elementos cuturais
de uma civilização ou povo, adquire outra conotação. Não se tratando assim de
manter o elemento cultural na mente como uma maneira vaidosa e impensada de
sobreviver a tradição à morte, os pressupostos de investigação cultural, como
no caso de Prudentópolis, considerada “a Ucrânia Brasileira”, parece ainda
haver uma espécie de “concessão” à mulher para que se possa reconstruir ou
reterritorializar a Ucrânia no Brasil. Isso fica de certa forma evidente no
fato de que se deve manter, aparentemente, uma cultura casta, recatada e que se
mostre diferente de uma suposta permissividade brasileira, de modo que, em
relação à mulher ucraniana, “[...] ainda hoje não é de bom tom engravidar antes
do casamento e as festas da comunidade ainda seguem os ritos ucranianos, mas
sem o casamenteiro” (TENCHENA, 2010, p. 81).
Segundo Bourdieu (1999), na coerência
dominação e dominado, esse último reconhece o poder exercido pelo dominante. As
instituições tais como Estado, família e escola contribuem como agentes de propagação
dessa relação de dominação, pois elaboram e impõem princípios de dominação que
são exercidos na sociabilidade cotidiana (BORDIEU, 1999). Pertinente a essa
ideia, Krevei relata que: “[...] a força condutora do povo ucraniano é a igreja.
A religião é a força que te mantém vivo quando você se vê só. Onde o imigrante
ia pedir socorro, pedir conselho? Na igreja” (KREVEI, 2017).
Toda a projeção cultural e religiosa,
conforme Perrot, promove, “[...] nessas condições, a perpetuação do “mito” do
poder masculino que serve aos interesses dos dois “gêneros” (PERROT, 2005, p.
171). O que se quer com isso é mostrar que uma cultura rutena precisa preservar
sua religião, talvez não por crer nela mais como os antepassados, mas porque
ela os lembra de quem são, da herança que legam e que não conseguem e nem
querem se despojar.
Nessa perspectiva, a relevância dada à
religião em Prudentópolis, faz com que ocorra a determinação de comportamentos,
regras e valores que são assimilados pelas famílias, de forma que através do diálogo
é aprendido instintivamente por meio de estruturas inconscientes da ordem
masculina. A depoente Nádia Morskei deixa claro isso, pois acredita que “[...] a
Igreja é a principal responsável por estar mantendo as tradições culturais,
religiosas, étnicas e folclóricas” e que “[...] a conciliação da família com a
força da igreja foi importante pra manter os costumes, senão tinha acabado
tudo. Nós descendentes devemos muito pra igreja”. O discurso religioso
estabelece uma relação intrínseca de dependência com a dominação masculina,
inclusive fundamentada em uma perspectiva estritamente patriarcal.
Em uma sociedade dominada pelo
machismo, as Igrejas de Rito Ucraniano aparecem como controladoras e manipuladoras
das identidades femininas, pois é nesse ambiente sacro que as mulheres são
ensinadas a praticarem rituais e costumes que ligam-nas ao ambiente doméstico,
tais como: benção de alimentos, bordado, culinária típica ucraniana,
ensinamento do idioma ucraniano, confecção de Pêssankas (ovos decorados) etc.
Tenchena aborda sobre o papel social atribuído às mulheres, as quais deveriam
[...] preparar a comida; por a mesa;
convidar para vir à mesa; lavar a louça; arrumar a cozinha; preparar o café
para o dia seguinte e planejar o próximo almoço. Aos sábados, além das tarefas
habituais, competia à mulher lavar a casa e a cozinha, quando completava o
serviço da cozinha, a mulher pegava o cesto de roupa para remendar ou lavar.
Ela não ficava nunca sem trabalhar. Eram poucas as mulheres que se dedicavam,
nessa época, a serviços fora da pequena propriedade, algumas trabalhavam como
professoras nas colônias, mas quando chegavam em casa também tinham os seus
afazeres domésticos (arrumar, passar, educar, etc.) (TENCHENA, 2010, p. 29).
Com essas nuances, a identidade feminina
das mulheres ucranianas foi construída pela sociedade prudentopolitana que é
marcadamente masculina, onde os modos de agir, de se comportar e até de pensar
são determinados e estabelecidas por outrem. Essa identidade passa a ser
formada juntamente com a aceitação da posição de inferioridade da mulher, a
qual seu recinto de submissão é visto como normal, pela sociedade e por si
mesma, que subsidiará o consentimento da dominação.
É por isso que não vale o investimento
da negação disso, tendo em vista o machismo que ainda impera, seja do natural
brasileiro do interior, ou mesmo dos mais velhos descendentes ucranianos para
com suas mulheres (TENCHENA, 2010). Sandra Tenchena, evidencia que:
Por um lado, esses comportamentos
disciplinados das mulheres de minhas memórias aparentemente as colocavam em um
lugar de submissão aos homens e aos preceitos religiosos, por outro lado, as
mesmas maneiras contidas as colocavam em lugar de destaque durante o exercício
de transmitir e confirmar os preceitos das tradições ucranianas (TENCHENA,
2010).
A mulher, assim, aparece como uma
construção de muitas facetas em potencial, mas que convergem para uma, ou seja,
para a formação de uma noção de mulher ucraniana que talvez se coloque no
embate entre o sim do conservadorismo e da manutenção de uma conservação um
pouco opressora, que deixa a novidade da mulher no meio de um futuro que
empurra para o passado e de um passado que com muito custo empurra,
minimamente, para o futuro.
Essa reinvenção é fundamental para
pensar as relações vivenciadas pelas mulheres, as quais ainda estão submetidas
de certa forma a cuidar com zelo de que algo que transmita uma mensagem
pacífica. Assim, coloca-se nos ombros da imigrante uma responsabilidade onde
muitas vezes, embora o homem tome conta, não se distancia de um conservadorismo
com o qual a historicidade se acostumou, ou seja, urge no fim das contas, à
mulher tomar conta de atividades não necessariamente políticas, mas que
promovam um laço ou uma coerência a médio e longo prazo.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Diante do exposto, o objetivo do
artigo e do trabalho foi de mostrar como a mulher ucraniana é tratada em
Prudentópolis (PR), e evidenciar a importância dela no interior da cultura ucraniana.
Nota-se assim que o pesquisador conseguiu alcançar o propósito maior do texto,
que era constatar e solidificar as bases das mulheres ucranianas em
Prudentópolis, de tal modo que ela é tratada com a dicotomia da força de uma descendente
de estrangeiros que se esforça para preservar sua a cultura de seus
antepassados, mas também com o olhar sobre um ser humano que pode talvez não
deixar às futuras gerações seus ensinamentos e descendência. Nascendo no
Brasil, os descendentes ucranianos têm consciência de que são brasileiros como
todos outros, mas praticam da cultura de seus ancestrais ucranianos e
consideram que com isso suas raízes estão na Ucrânia.
Não se deixa de cultivar, dentre os
prudentopolitanos mais velhos, os bordados ucranianos, a religião dos
antepassados ou a culinária, assim como a relação com a Papoula com símbolo
mágico contra o mal ou o Carvalho como uma árvore sagrada.
A memória e a construção da perspectiva
do cidadão de Prudentópolis, conforme passa o tempo, ganha sua autenticação própria,
e com ela, as referências e o reconhecimento característico de turistas
originários daquele país. Mas no caso de um dia não restar mais do que um
parentesco distante com aqueles ucranianos que primeiro chegaram, depois de
duzentos ou trezentos anos, ainda assim se poderá dizer que o Brasil tornou-se
muito mais do que um território ultra-marítimo ou uma extensão autoritária e
construída à base de uma resistência agressiva.
Não existe assim, um DNA fixo e
eternamente imutável em todos os seus genes, mas uma coisa mais ou menos
evanescente que desperta de onde se menos se espera, e que traz à tona, não
importa quanto tempo se passe, um cheiro, uma nota musical, um gosto, uma forma
de se vestir e um dialeto que reterritorializa sempre uma parcela do imigrante
que sempre se reconstrói numa entropia própria com a nova casa, seja ele
europeu, polonês e, no caso de Prudentópolis, ucraniano.
O tema brevemente pesquisado não se
esgota aqui, ao contrário, possibilita outras formas pelas quais se pode investigar
e ampliar demais análises sobre as mulheres e a cultura ucraniana.
REFERÊNCIAS
Mestre em História (2019) pela da
Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Membro do grupo de Estudos
em História Cultural da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).
Graduado em Pedagogia (2019) pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER),
Filosofia (2018) pelo Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson (UNAR),
História (2016) pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Ciências Sociais
(2015) pela Faculdade Guarapuava (FG). Especialista em Docência do Ensino
Superior (2018) e Educação a Distância com Ênfase na Formação de Tutores (2018)
pela Faculdade São Braz (FSB); Gestão da Educação do Campo (2017) pela
Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL); Educação
Especial e Inclusiva (2016), Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia
(2016) e Ensino Religioso (2015) pela Faculdade de Educação São Luís (FESL).
Professor de Sociologia contratado pela Secretaria de Educação do Estado do
Paraná e leciona as disciplinas de Filosofia, História e Sociologia no Colégio
Imaculada Virgem Maria e Sociologia no Colégio São José. Tem experiência na
área de História, atuando nos seguintes temas: Imigração, Identidade, Cultura,
Mulheres, Memória e História oral.
BAUMAN, Zygmunt. Perspectiva: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed, 2005.
BORUSZENKO, Oksana. Os ucranianos. Boletim informativo da Casa Romário Martins,
Fundação Cultural de Curitiba, v. 22, n. 108, out. 1995.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999.
BURKO, Valdomiro. A Imigração ucraniana no Brasil. Curitiba: Cobrag, 1963.
DEL PRIORE, Mary. História das mulheres: as vozes do silêncio. In: FREITAS, Marcos
Cezar de (org). Historiografia em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998.
GUÉRIOS, Paulo Renato. Memória, perspectiva e religião entre
imigrantes rutenos e seus descendentes no Paraná. Rio de Janeiro, 2007. 299
f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2007.
HALL, Stuart. A perspectiva cultural na contemporaneidade. Trad. Tomaz Tadeu da
Silva e Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP & A Editora, 1997.
HOBSBAWM, E., RANGER T. A invenção das tradições. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2002.
PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
________________. As mulheres ou os silêncios da história. São Paulo: EDUSC, 2005.
TENCHENA, Sandra Mara. Memória de Mulheres: Recriação de
Tradições Ucranianas em Prudentópolis, no Paraná. PUC-SP, 2010.
FONTES
KREVEI, Meroslawa. Entrevista
concedida ao autor no dia 11 de outubro de 2017.
MORSKEI, Nádia. Entrevista concedida
ao autor no dia 05 de setembro de 2017.
ZALUSKI, Tarcísio
Orestes. Entrevista concedida ao autor no dia 26 de setembro de 2017.
Boa tarde, primeiramente parabéns Nikolas pelo trabalho que contribui muito para o conhecimento de algumas particularidades das cultura dos descendentes ucranianos!
ResponderExcluirA pergunta é: qual o posicionamento das descendentes ucranianas de Prudentópolis em relação ao suposto preconceito sofrido por elas, já que, segundo Sandra Tenchena a mulher é tida como a cabeça do núcleo familiar??
Boa tarde, Eliane. Primeiramente, obrigado pela pergunta
ResponderExcluirAs mulheres encontram-se inseridas em um ambiente dominantemente masculino, e dessa maneira acabam assimilando comportamentos e atitudes de submissão, mas por causa de uma "dominação" masculina não conseguem reconhecer e perceber essa autoridade/poder que o marido possui.
Sim, a mulher é tida como cabeça do núcleo familiar, porém considera-se isto um imaginário que o grupo pesquisado tem de si, onde esse tipo de pensamento afaga seus próprios egos, mas não corresponde a uma realidade verdadeira obtida por meio das minhas pesquisas.
Até breve.
Comentário de: Nikolas Corrent
Inicialmente parabéns pelo artigo, maravilhosamente explanado o assunto, sou descendente de ucranianos e imagino que todas estamos muito bem representadas no seu discurso. Possuo interesse na temática e já escrevi sobre também.
ResponderExcluirUtilizando o trecho em que você diz: [...] “pode esconder uma opressão não antes imaginada do homem ucraniano, e aí, se teria dado aval ao machismo em face de uma naturalização do mesmo enquanto divisão social de tarefas da mulher ucraniana” e logo abaixo há uma citação de Tenchena que ressalta que o novo machismo do homem ucraniano se revelaria em solo brasileiro, você acredita que isso se deveu ao contato com a cultura masculina que aqui havia?
Comentário de Talita Seniuk
Agradeço pelo questionamento, Talita.
ExcluirPensar as mulheres diante de suas inserções em tradições ucranianas é de grande importância!
Sim, de certa maneira essa relação e contato fez com que a dominação masculina imperasse sobre as mulheres ucranianas.
Até mais, boa sorte!
Comentário de: Nikolas Corrent
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa noite, Silvana.
ExcluirAgradeço pela pergunta.
Acredito que a influência digital poderá atingir (in)diretamente as tradições e costumes das descendentes de ucranianas no município estudado. Mas por se tratar de tradição, há um forte enraizamento dos costumes, o que de maneira mínima será manifestada por elas nesse relacionamento com as tecnologias.
Obrigado, sucesso!
Comentário de: Nikolas Corrent.
Poderia esclarecer a escolha do uso de aspas ao se referir a Prudentópolis como a Ucrânia brasileira?
ResponderExcluirLays Fernanda Oleniuk
Boa noite, Lays Fernanda Oleniuk.
ExcluirPrimeiramente, obrigado pelo seu questionamento.
O uso de aspas ao se referir ao município de Prudentópolis como a Ucrânia brasileira, deveu-se ao fato de ser uma informação obtida através da História Oral, a qual retrata de forma dicotômica a relação entre Ucranianos e Brasileiros. Além disso, deveu-se ao fato de dar ênfase a essa relação anteriormente citada.
Obrigado, até breve!
Comentário de: Nikolas Corrent.
Você acredita que essas mulheres numa época tão digital e de fácil acesso ao conhecimento, Vão conseguir se manterem firmes neste papel imposto a elas?
ResponderExcluirBoa noite, Silvana.
ResponderExcluirAgradeço pela pergunta.
Acredito que a influência digital poderá atingir (in)diretamente as tradições e costumes das descendentes de ucranianas no município estudado. Mas por se tratar de tradição, há um forte enraizamento dos costumes, o que de maneira mínima será manifestada por elas nesse relacionamento com as tecnologias.
Obrigado, sucesso!
Comentário de: Nikolas Corrent.
Olá Nikolas.
ResponderExcluirParabéns por seu trabalho, é muito bom ver estudos que busquem privilegiar o papel das mulheres e a influência que elas exercem em uma sociedade, sua comunicação traz esse protagonismo que elas desenvolvem e demonstra como elas são importantes dentro de seu grupo, desempenhando o papel daquela que repassa a tradição e cultura dos seus antepassados.
Gostaria de saber como é a relação dos demais moradores desse município com os descendentes ucranianos ? Já que 75% da população se constituem de descendentes, como eles socializam com os demais moradores ? Se vc conseguiu perceber essa relação através de suas entrevistas.
Francicléia Ramos.