GÊNERO & HISTÓRIA: UMA QUESTÃO DE PODER E SUBJETIVIDADE


Nikolas Corrent


A palavra gênero advém do latim genus, sendo traduzido como tipo, nascimento ou família. A historiadora e teórica feminista Joan Scott (1990) comenta que na contemporaneidade, o termo gênero é designado como um sinônimo de mulheres por alguns pesquisadores. Elucida que a substituição deste se emprega devido ao gênero desempenhar “uma conotação mais objetiva e neutra” quando comparado a palavra “mulheres” (SCOTT, 1990). Isto posto,

[...] o termo "gênero" não implica necessariamente uma tomada de posição sobre a desigualdade ou o poder, nem tampouco designa a parte lesada (e até hoje invisível). Enquanto o termo "história das mulheres" proclama sua posição política ao afirmar (contrariamente às práticas habituais) que as mulheres são sujeitos históricos válidos, o termo "gênero" inclui as mulheres, sem lhes nomear, e parece, assim, não constituir uma forte ameaça (SCOTT, 1990, p. 75).

Doravante o supracitado pela autora, percebe-se que a transferência de mulheres para gênero alude em uma construção social que viabiliza igualar homens e mulheres. Segundo a historiadora Louise Tilly (1994), o emprego do gênero como uma categoria conceitual além de promover esta igualdade, visa proporcionar “[...] o acesso das mulheres tanto à autonomia individual quanto ao poder político e econômico” (TILLY, 1994, p. 43), Scott em contraposição à Tilly reitera que o termo gênero denota que uma informação a respeito da mulher é relativamente a respeito do homem, isto é, um estudo acerca de um, possui analogia com o outro. Desse modo, emprega-se o termo visando associar as mulheres aos homens, onde “[...] o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado nesse e por esse mundo masculino” (SCOTT, 1990, p. 75). Evidencia-se então, que o estudo acerca das mulheres deve necessariamente estar inserido no contexto dos homens, correlacionando às relações de poder, onde as mulheres tornam-se dependentes dos homens por meio do patriarcalismo, o qual define o homem como superior a mulher.

Regressando à construção social, esta é fundamentada nas diferenças notáveis entre os sexos, nas quais são estabelecidas culturalmente no íntimo da sociedade, sendo capazes de variar de uma para outra. Entretanto, o gênero como uma categoria de análise consiste em uma interpelação utilizada em torno da década de 80, anos em questão assinalados pelo imperativo de introduzir novos conceitos, nos quais visavam à busca da legitimidade acadêmica pelas pesquisas feministas.

De acordo com a professora e historiadora Joana Maria Pedro (2005), a utilização de gênero como um novo conceito deve-se às linguagens, tendo em vista que os seres animados e inanimados da língua portuguesa, independente de possuírem um sexo biológico, apresentam um gênero. Assim sendo, “[...] era justamente pelo fato de que as palavras na maioria das línguas têm gênero, mas não têm sexo, que os movimentos feministas e de mulheres, nos anos oitenta, passaram a usar esta palavra ‘gênero’ no lugar de ‘sexo’” (PEDRO, 2005, p.78). A autora complementa que por meio deste contexto, os estudiosos do período buscavam “[...] reforçar a idéia de que as diferenças que se constatavam nos comportamentos de homens e mulheres não eram dependentes do ‘sexo’ como questão biológica, mas sim eram definidos pelo ‘gênero’ e, portanto, ligadas à cultura”. (PEDRO, 2005, p. 78).

Nessa perspectiva, o conceito de gênero designa uma construção social na qual estabelece as identidades subjetivas de mulheres e homens, ou seja, a concepção de gênero distingue-se do sexo biológico, o qual se define por um emaranhado de características estruturais e funcionais, pelas quais classificam um indivíduo como macho ou fêmea. O gênero se emprega, de acordo com Scott (1990, p. 75) como “[...] uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado”, o qual “[...] oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens”. A autora reitera mais adiante, definindo o gênero em duas conjecturas, sendo “[...] um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” e “[...] uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1990, p. 86).

Em síntese, o gênero não se refere às particularidades biológicas sexuais, no entanto, alude às diferenças sociais e culturais entre homens e mulheres, permeadas pelas relações de poder. Dessa forma, na concepção de gênero o indivíduo não vem ao mundo sendo homem ou mulher, como determina o sexo biológico, mas ele estrutura-se em um processo onde é viabilizado o ato de tornar-se mulher ou tornar-se homem. Surge assim, a identidade de gênero, onde o indivíduo identifica-se como sendo do gênero masculino ou feminino, independente de seu sexo biológico. Complementando, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira em Míni Aurélio: o dicionário da língua portuguesa (2010, p. 376), define o gênero sendo “[...] a forma como se manifesta, social e culturalmente, a identidade sexual dos indivíduos”. Assim, percebe-se que o gênero, bem como sua identidade, associa-se ao comportamento de um indivíduo perante a sociedade na qual se estabelece.

Acerca das variações entre o gênero e o sexo biológico, com raras exceções sabe-se que existem dois sexos, o feminino e o masculino, para determiná-los verifica-se algumas características físicas, sobretudo a genitália de ambos. Doravante uma análise destes órgãos íntimos, o indivíduo passa a caracterizar-se como fêmea ou macho, conforme citado anteriormente. O gênero, diferentemente do sexo biológico, denota condições psicológicas, sociais e culturais, pelas quais configuram o indivíduo como feminino ou masculino. Dessa forma, evidencia-se que a quantidade de feminilidade e masculinidade encontrada no indivíduo, identifica seu gênero sexual. Em síntese, o que caracteriza o gênero de um indivíduo é o seu grau de masculinidade ou feminilidade, resultando em sua identidade de gênero, isto é, o “sentir-se homem” e o “sentir-se mulher”. O gênero indica-se como mais importante quando comparado as características anatômicas, tendo em vista que o sexo biológico é algo invisível, enquanto a identidade de gênero torna-se visível, com as linguagens e a vestimenta empregada.

Complementando, Scott (1990, p. 86-87) afirma que “[...] o gênero implica quatro elementos interrelacionados”, sendo eles: os símbolos culturais, produtores de inúmeras significações, bem como “Eva e Maria como símbolos da mulher [...] na tradição cristã ocidental”; os conceitos normativos, os quais compreendem não somente as leis e regras, mas também as “[...] doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas” (SCOTT, 1990, p. 86-87); as instituições, como escolas e igrejas; e as identidades subjetivas e genéricas, nas quais constituem o indivíduo. Conforme os elementos destacados por Scott, temos a composição do gênero nos indivíduos.

A HISTÓRIA NAS RELAÇÕES DE GÊNERO

Constata-se que a história contribui para a expansão do conhecimento de cada indivíduo, atuando como promotora e detentora de informações globais, sobretudo acerca da sociedade e sua cultura. De acordo com o historiador Boris Fausto em sua obra História do Brasil (1995),

[...] a História é uma disciplina acessível a pessoas com diferentes graus de conhecimento. Mais do que isso, é uma disciplina vital para a formação da cidadania. Não chega a ser cidadão quem não consegue se orientar no mundo em que vive, a partir do conhecimento da vivência das gerações passadas (FAUSTO, 1995, p. 13).

Diante do exposto, evidencia-se a relevância desta ciência para a sociedade, visto que a investigação dessa disciplina apresenta-nos subsídios para que possamos compreender melhor as relações de gênero. Dessa maneira, regressaremos aos estudos realizados por Joan Scott, a qual por meio da história busca analisar e compreender as relações supracitadas. Consonante, Scott entende que a “[...] história é tanto objeto da atenção analítica quanto um método de análise. Vista em conjunto desses dois ângulos, ela oferece um modo de compreensão e uma contribuição ao processo através do qual gênero é produzido” (SCOTT, 1994, p. 13-14). Assim sendo, fundamentados na história, alcançaremos tal compreensão acerca da construção das relações entre os gêneros.

Defensora do pós-estruturalismo, Scott concebe esta teoria como uma fonte de rompimento com as arcaicas tradições, as quais definem a sociedade de forma hierárquica. Dessa maneira, o pós-estruturalismo apresenta concepções alternativas acerca do gênero, possibilitando essa ruptura com o remoto e indagando novos significados nas relações de poder. Sintetizando, “[...] o pós-estruturalismo e o feminismo contemporâneo são movimentos de fins do século XX que compartilham uma certa relação crítica autoconsciente diante das tradições política e filosófica estabelecidas” (SCOTT, 2000, p. 204). A autora complementa situando o imperativo em explorar tal relação.

A história das mulheres se estabelece como um “[...] agente político no qual desafia as premissas pré-estabelecidas, questionando a primazia concebida ao homem, em oposição às mulheres” (SCOTT, 1994, p. 81-83). Logo, evoca uma contribuição ao advento do movimento das mulheres nos anos de 1970, no qual, sendo de caráter feminista, buscava contemplar a igualdade entre os gêneros, bem como impugnar as raízes culturais que permeiam nesta desigualdade. Para Pedro,

O uso da categoria de análise “gênero” na narrativa histórica passou a permitir que as pesquisadoras e os pesquisadores focalizassem as relações entre homens e mulheres, mas também as relações entre homens e entre mulheres, analisando como, em diferentes momentos do passado, as tensões, os acontecimentos foram produtores do gênero (PEDRO, 2005, p. 88).


Conforme a afirmação da autora, no decurso da história nos deparamos com distintos acontecimentos dentre os quais refletiram nas relações de gêneros perante a sociedade, sobretudo, determinaram influências nas desigualdades entre estes. No período neolítico, os indivíduos principiaram a produção de seus alimentos, concomitantemente, é neste ínterim que se estabelecem as funções de homens e mulheres nas civilizações antigas. A divisão sexual do trabalho era contemplada pela capacidade de reprodução das mulheres, as quais mantinham-se restritas ao ambiente e ao trabalho doméstico, evidenciando-se os cuidados com a casa e com seus provenientes. O ato de ‘cuidar’ se perpetuou como uma função relativa às mulheres da época, as quais devido às suas capacidades reprodutoras possibilitaram a reprodução da subordinação aos homens, sendo cognominados como os patriarcas. Instala-se assim, o sistema patriarcalista, estabelecendo as desigualdades presentes nas relações de gênero, pelo qual emana um sistema de dominação influente na contemporaneidade.

De acordo com Scott, as feministas “teóricas do patriarcado” buscam elucidar as procedências deste, visando encontrar uma “[...] explicação dessa subordinação na ‘necessidade’ masculina de dominar as mulheres” (SCOTT, 1990, p. 78). Acerca deste contexto, a reprodução é considerada a “chave” desse sistema, tendo em vista que a descoberta da contribuição do homem no processo de reprodução instaurou o conceito de que as mulheres, assim como seus herdeiros, eram subordinadas aos homens, os quais tornaram-se a “fonte” da procriação. Scott (1990, p. 78) acrescenta que “[...] o princípio da continuidade geracional restaura a primazia da paternidade e obscurece o trabalho real e a realidade social do esforço das mulheres no ato de dar à luz”. Posto isso, estabeleceu-se uma superioridade paterna devido à sua contribuição na fecundação. Além da reprodução, algumas pesquisadoras feministas atribuem a sexualidade ao patriarcalismo. Destarte, a mulher evidencia-se como uma fonte de prazer ao homem, sendo novamente, um sujeito subordinado ao patriarca.

Doravante a Revolução Industrial, as mulheres de classe baixa inserem-se ao contexto fabril, entretanto, não abdicam das obrigações domésticas, sendo submetidas a uma jornada de trabalho dupla, isto é, desempenha suas funções em fábricas além daquelas exercidas no âmbito familiar, conforme citado no parágrafo anterior. O desenvolvimento das indústrias, em meados do século XVIII e XIX, resultou nos conflitos sociais enfocados nas relações de gêneros, tendo em vista que se estabeleceram neste período as desigualdades trabalhistas. Desse modo, a mão de obra feminina foi incorporada à masculina. Esse fator emanou a insatisfação dos homens, dentre os quais alegavam que as mulheres ocupavam seus postos de trabalho, enquanto que estas padeciam com as desigualdades salariais. A industrialização em conjunto ao sistema capitalista introduziu as mulheres no mundo do trabalho, entretanto, ensartou a luta entre os gêneros conforme o exposto. Diante disso, as mulheres depararam-se com uma nova desigualdade enfrentada por meio de salários menores quando comparado ao dos homens. Segundo Scott (1990, p. 78), as feministas marxistas atribuem esta “[...] divisão sexual do trabalho sob o capitalismo” como consequência às suas funções reprodutoras.

Perante o século XIX e após as ideologias difundidas na Revolução Francesa, o movimento das mulheres almejava por melhorias nas condições de trabalho, pleiteando seus direitos trabalhistas, sobretudo a uniformidade no expediente de trabalho. Ademais, requeriam o direito ao voto e a candidatura aos cargos públicos, os quais restringiam-se apenas aos homens, principalmente os mais abastados. No século subsequente, o feminismo – denominação do movimento das mulheres - revigorou-se, desempenhando inúmeros protestos organizados na intercessão de seus direitos. Essas manifestações alentaram às mulheres a delatar a sujeição pela qual eram acondicionadas e que se evidenciava em diversos âmbitos da vida, bem como o familiar, o político, o social, o cultural e, dentre outros.


RELAÇÕES DE GÊNERO, PODER E SUBJETIVIDADE


Essa pesquisa não propende abordar especificamente os movimentos feministas ao longo da história, entretanto, expusemos sucintamente alguns aspectos visando esclarecer as relações entre os gêneros. A partir das considerações, evidencia-se que subordinação da mulher é análoga às relações de poder, ou seja, os homens apropriam-se do poderio que lhes compete nas relações sociais e dominam as mulheres. Dessa maneira, a mulher torna-se símbolo de responsabilidade pelos ensinamentos dos filhos e dos cuidados com o domicílio. O comando sobre o recinto doméstico incide em um dos pontos centrais onde as mulheres desenvolvem seus subterfúgios de antagonismos e resistência à dominação masculina. Esta dominação masculina segundo o sociólogo Pierre Bourdieu,

Constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo ser (esse) é um ser-percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes, disponíveis. Delas se espera que sejam "femininas", isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas (BOURDIEU, 2012, p. 82).

Na ótica do exposto, a mulher é limitada pelo homem, o qual constrói uma subjetividade feminina fundamentada em seus princípios masculinos. A respeito da subjetividade, esta incide na personalidade do ser humano, estruturando seu modo de agir e pensar. Para o filósofo Michel Foucault, a subjetivação consiste em um “[...] processo pelo qual se obtém a constituição de um sujeito, mais precisamente de uma subjetividade, que evidentemente não passa de uma das possibilidades dadas de organização de uma consciência de si” (FOUCAULT, 2004, p. 232).

Outro filósofo que disserta acerca da subjetividade é Félix Guattari, o qual afirma que ela incide em um “[...] conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva” (GUATTARI, 2000, p. 19). Assim sendo, a subjetividade manifesta-se individualmente ou coletivamente, isto é, o indivíduo faz escolhas por si só ou, baseado nas esferas coletivas, bem como a que é imposta pela dominação masculina.

A construção da subjetividade se estabelece na relação com o externo, ou seja, por meio do contato com os outros indivíduos e com o mundo, estando introduzidos em uma mesma conjuntura e em um assinalado período sócio histórico. Nesse procedimento de construção da subjetividade, são agregados, devido a influência da cultura, distintos hábitos, princípios, valores e costumes, assim como as linguagens, os arquétipos de comportamento e os modelos estéticos. Nesse segmento, o individuo é vítima dos contatos sociais, tendo em vista que é por meio desses que a construção se efetiva. Dessa maneira, assimilamos a nossa subjetividade por meio do âmbito familiar, escolar e, inclusive, por intermédio dos meios de comunicação.

Portanto, temos que a subjetividade feminina é construída em tempos remotos por meio da dominação masculina. Isto é, agentes externos subjetivam a mulher. A histerização da mulher é resultado desta subjetivação patriarcalista, a qual sobrepõe a mulher, de acordo com Foucault a uma

[...] comunicação orgânica com o corpo social (cuja fecundidade regulada deve assegurar), com o espaço familiar (do qual deve ser elemento substancial e funcional) e com a vida das crianças (que produz e deve garantir, através de uma responsabilidade biológico-moral que dura todo o período da educação): a Mãe, com sua imagem em negativo que é a "mulher nervosa" (FOUCAULT, 1988, p. 98).

Assim sendo, as concepções do patriarcalismo criam uma nova identidade às mulheres, as quais se tornam submissas a esse sistema aderindo a subjetividade imposta. O corpo feminino, consoante Foucault (1988, p. 101) torna-se um “[...] elemento nas relações de poder”.

Doravante às manifestações feministas, a subjetividade da mulher buscava contrapor a esta sujeitada pelo masculino. Dessa forma, segundo a historiadora Margareth Rago, o feminismo

[...] abriu mão do corpo, da beleza, da estética e da moda, considerados reificadores, apropriando-se paradoxalmente do modo masculino de existência que questionava e, ao mesmo tempo, desconstruía. A feminista apareceu, então, na figura da “oradora”, da mulher que rompe o espaço público e toma a palavra, denunciando e revolucionando como os homens (RAGO, 2004, p. 283).
        
Diante disso, em meio às revoluções de âmbito feministas, as mulheres apresentavam uma subjetividade na qual não seriam mais subordinadas aos ideais masculinos, como anteriormente, mas a partir de agora, identificavam-se como detentoras da autonomia, sendo libertas para optarem por suas próprias escolhas, bem como serem independentes dos homens, opondo-se assim, “[...] à figura conservadora e santificada da ‘mãe’” (RAGO, 2004, p. 283), a qual era enaltecida pelos patriarcas. A respeito dessa nova subjetividade impulsionada pelo feminismo, Rago (2004) complementa que as mulheres difundiram “[...] novos padrões de corporeidade, beleza, cuidados de si, propondo outros modos de constituição da subjetividade” (RAGO, 2004, p. 283-284), uma vez que as feministas preocupam-se “[...] tanto com o refinamento do espírito, quanto com a beleza corporal, a saúde, a agilidade, a elegância e a moda, na construção de si e de uma nova ordem social e sexual” (RAGO, 2004, p. 283-284).

O triunfo do feminismo resultou nessa construção de uma nova subjetividade feminina, a qual empenhou-se pela “[...] libertação das formas de sujeição impostas às mulheres pelo patriarcalismo” (RAGO, 2004, p. 284). Desse modo, o processo construtivo da subjetividade feminina é resultado de dois princípios essenciais, o sistema patriarcalista e os movimentos feministas. Em suma, o patriarcalismo reflete no entendimento social acerca da representação da mulher no âmbito coletivo, pelo qual subestima-se as potencialidades femininas e o consentimento da arcaica segmentação dos postos de trabalho segundo o sexo biológico e, por conseguinte a clássica função das mulheres no contexto doméstico e na sociedade.

Os movimentos feministas concretizaram uma nova subjetividade para a mulher, visto que, na era de permanência do sistema patriarcalista, a luta feminista não se restringiu somente à igualdade por seus direitos, contudo, empenharam-se pela libertação dos estereótipos pré-estabelecidos socialmente por meio dos patriarcas, sobretudo na condição feminina que as idealizaram como seres passivos e frágeis. Assim sendo, a subjetividade da mulher se desprende dos padrões patriarcalistas, concedendo a ela uma nova identidade.

REFERÊNCIAS
Mestre em História (2019) pela da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Membro do grupo de Estudos em História Cultural da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Graduado em Pedagogia (2019) pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER), Filosofia (2018) pelo Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson (UNAR), História (2016) pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Ciências Sociais (2015) pela Faculdade Guarapuava (FG). Especialista em Docência do Ensino Superior (2018) e Educação a Distância com Ênfase na Formação de Tutores (2018) pela Faculdade São Braz (FSB); Gestão da Educação do Campo (2017) pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL); Educação Especial e Inclusiva (2016), Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia (2016) e Ensino Religioso (2015) pela Faculdade de Educação São Luís (FESL). Professor de Sociologia contratado pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná e leciona as disciplinas de Filosofia, História e Sociologia no Colégio Imaculada Virgem Maria e Sociologia no Colégio São José. Tem experiência na área de História, atuando nos seguintes temas: Imigração, Identidade, Cultura, Mulheres, Memória e História oral.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

____________. A Dominação Masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: USP, 1995.

FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8. ed. Curitiba: Positivo, 2010.

FOUCAULT, Michel. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In Michel. Foucault. Ditos e Escritos V: Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 264-287.

____________. História da sexualidade I: A vontade de saber. 13. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

____________. O sujeito e o poder. In H. Dreyfus & P. Rabinow (Orgs.), Michel Foucault: Uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 231-249.

GUATTARI, Félix. Heterogênese. In Félix. Guattari (Org.), Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 2000, p. 11-95.


PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o Debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. São Paulo: História, 2005, p. 77-98.

RAGO, Margareth. A “Mulher Cordial”: Feminismo e subjetividade. São Paulo: Revista Verve, 2004, p. 279-296.

_______________. Epistemologia feminista, gênero e história. In: PEDRO, Joana e GROSSI, Miriam (orgs). Masculino, Feminino, Plural. Florianópolis: Ed. Mulheres, 1998.

SCOTT, Joan W. Preface a Genderand Politics of History. Campinas: Cadernos Pagu (3), 1994.

____________. Gênero: Uma Categoria Útil para a Análise Histórica. Porto Alegre: Revista Educação e Realidade, 1990.

TILLY, Louise A. Gênero, História das Mulheres e História Social. Campinas: Cadernos Pagu (3), 1994, p. 29-62.

6 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo maravilhoso.
    Não possuo perguntas, mas gostaria de registrar que a fala de Fausto utilizada no texto “Não chega a ser cidadão quem não consegue se orientar no mundo em que vive, a partir do conhecimento da vivência das gerações passadas (1995, p. 13)” é mais que acertada para descrever a importância da disciplina em nossa sociedade. Na obra Educar pela Sociologia: contribuições para a formação do cidadão da RHJ (2012) há uma passagem muito parecida, mas sob o viés sociológico, com a fala de Fausto: [...] ser cidadão, mais do que estar contido na sociedade, é, fundamentalmente, contê-la, no sentido de que o indivíduo só pode se sintonizar com as necessidades de uma sociedade na medida em que toma consciência do todo de que se faz parte (GUIMARÃES NETO et al, 2012, p.23) que demonstra como nossas vidas estão interligadas numa teia, tecida nas relações sociais em processos complexos que precisam ser discutidos pois nos auxiliam a compreender a sociedade em que vivemos.
    A escolha de Bourdieu para referenciar o texto, além de outros autores, é mais que acertada também, pois para ele “A sexualidade, tal como a entendemos, é efetivamente uma invenção histórica, mas que se efetivou progressivamente à medida que se realizava o processo de diferenciação dos diferentes campos e de suas lógicas específicas” (pp. 122-123, 2002), ou seja, é uma construção sócio histórica, fomentada e reproduzida pelos agentes que compõem essa coletividade.
    =)

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  2. Boa noite, Talita!
    Conheço você de alguns textos sobre imigração ucraniana que usei na escrita da minha dissertação.
    Obrigado pelas considerações!

    Atenciosamente,
    Nikolas Corrent

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  5. Ola Nikolas! Belo texto...
    Um parágrafo me chamou bastante atenção:
    " A partir das considerações, evidencia-se que subordinação da mulher é análoga às relações de poder, ou seja, os homens apropriam-se do poderio que lhes compete nas relações sociais e dominam as mulheres. Dessa maneira, a mulher torna-se símbolo de responsabilidade pelos ensinamentos dos filhos e dos cuidados com o domicílio".

    Partindo-se dessa ideia de supremacia do gênero masculino em detrimento do feminino devido as construções sociais, políticas e culturais. Gostaria de questionar, diante do crescimento dessa produção de estudos de gêneros, como está construcao da narrativa da mulher como refém "dos filhos, marido e do lar" se reformula diante das novas visoes dadas pela História das Mulheres?
    Estudos estes que ousam em traçar uma história para as mulheres, reconhecendo as táticas e estratégias de resistência e conquista da autonomia dessas mulheres, cujas contribuições históricas precisam ser evidenciadas cada vez mais!

    Marcos de Araújo Oliveira

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    1. Bom dia, Marcos. Obrigado pelas suas considerações e questionamento.

      Quando constatamos que a mulher fica presa mesmo não estando no lar, é pelo simples
      fato que, antigamente o homem trabalhava, a mulher cuidava da casa, hoje os homens
      trabalham, e as mulheres trabalham e cuidam da casa.

      Refletir sobre a construção de uma História das Mulheres implica perceber que os modelos de ser “homem” e ser “mulher”, os direitos femininos e vários outros aspectos relacionados às construções de gênero e identidades, passaram por transformações ao longo da história, e contribuíram para o aumento da discriminação e dos preconceitos contra as mulheres e contra todos aqueles que não correspondem a um ideal de masculinidade dominante. A naturalização de atos, atitudes, valores e crenças atribuídas às mulheres na historiografia oficial contribuíram para uma visão da figura feminina submissa, e que a impedem de obter acesso social e político.

      Até mais, sucesso!

      Comentário de: Nikolas Corrent

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