ENTRETENIMENTO E/OU ANÁLISE SOCIAL? UM SUCINTO ESTUDO SOBRE ALGUMAS LETRAS DE MÚSICAS INTERPRETADAS PELA BANDA MAMONAS ASSASSINAS NA DÉCADA DE 1990

Edivaldo Rafael de Souza

Através da vertente historiográfica que trabalha a música em pesquisas históricas, esse texto reflete sobre as possibilidades da utilização de algumas letras de músicas da banda Mamonas Assassinas para analisar sobre questões sociais no Brasil do período em que elas foram escritas. Para isso, será discorrido sobre orecorte temporal da década de 1990, sobretudo os anos de 1995 e 1996.

A banda Mamonas Assassinas alcançou o auge nos anos de 1995 e 1996 com letras engraçadas que traziam misturas musicais, entre elas o rock, o samba e o forró.Isso contribuiu para que o grupo assinasse contrato com uma grande gravadora, a Emi-Odeon. A música “jumento celestino” foi apresentada ao vice-presidente da gravadora, a que Bueno descreve como

“um forrock também arrasador, sobre a vida e a sina tragicômica de um baiano e seu jumento com toca-fitas, fez os muitos espiões estrategicamente espalhados pela casa terem certeza de que o executivo da multinacional, recém-chegado do Rio, estava no papo: ninguém riria tanto se não estivesse mesmo gostando” (BUENO, 1996, p. 10).

Em consonância à musicalidade diversa apresentada pela banda, ressalta-se que

“[o]s sons são objetos materiais especiais, produtos da ressonância e vibração de corpos concretos na atmosfera e que assumem diversas características. Trata-se de objetos reais, porém invisíveis e impalpáveis, carregados de características subjetivas, e é assim que proporcionam as mais variadas relações simbólicas entre eles e as sociedades” (MORAES, 2000, p. 210).

O Mamonas cativou um grande público, que lotava os seus shows. Não à toa, em menos de um ano o grupo vendeu milhares de discos. Esses números se tornam ainda mais relevantes quando é ressaltado que a banda lançou apenas um LP. Como destaca Cherri Filho (2004, p. 13), “O fenômeno dos Mamonas Assassinas foi um estouro na música brasileira. ”

O grupo Mamonas Assassinas era formado pelo baterista Sérgio Reolli, o tecladista Júlio Cesar Barbosa (Júlio Rasec), o baixista Samuel Reis de Oliveira, o guitarrista Alberto Hinoto (Bento) e o vocalista Alecsander Alves (Dinho). A banda originária de Guarulhos-SP, inicialmente, era intitulada “Utopia”.

Em 2 de março de 1996, o avião, que transportava a banda depois de ter feito um show em Brasília,caiu na serra da Cantareira, no Estado de São Paulo. Todos os integrantes e também o piloto e co-piloto da aeronave faleceram no local. Após ser divulgada a notícia dessa tragédia, o país entrou em choque. Fãs em todo território nacional prestavam homenagens ao grupo. Entretanto, mesmo após a morte, a banda continua até hoje tendo seus hits tocados em diversos locais do mundo, e, ainda na atualidade, comumente recebem homenagens.

As letras de músicas, bem como as demais formas de expressão do grupo, carregam uma carga densa de particularidades. Dessa forma, deve-se salientar que, como já foi descrito anteriormente, o Mamonas tinha um estilo eclético e peculiar, tanto na forma de cantar como nade se vestir. Nesse sentido, as suas letras também contêm palavras desconexas, ambíguas, e que,em muitas situações, apresentam uma linguagem informal.

As músicas selecionadas para esta comunicação são“chopis centis” e “jumento celestino”. Todavia, quandose analisa todas as canções gravadas pela banda,é recorrente deparar-se com outras letras que também possam ser discutidas, como, por exemplo,“robocop gay”, “cabeça de bagre II”, dentre outras.

A seguir, transcreve-se a letra de “chopis centis”:

Música: Chopis centis. Intérpretes: Banda Mamonas AssassinasCompositores:Julio Cesar Barbosa(Julio Rasec) / Alecsander Alves (Dinho)



Eu di um beijo nela
E chamei pra passear

A gente fomos no shopping
Pra mó di a gente lanchá


Comi uns bicho estranho

Com um tal de gergelim
Até que tava gotchoso
Mas eu prefiro aipim


Quantcha gente

E Quantcha alegria
A minha felicidade
É um crediário

Nas Casas Bahia

Quantcha gente
E Quantcha alegria
A minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia.

Arriba!
Joinha, Joinha, Chupetão, Vamo lá

Esse tal Chopi Centis
É muithco legalzinho
Pra levar as namorada
E dá uns rolezinho

Quando eu estou no trabalho
Não vejo a hora de descer dos andaime

Pra pegar um cinema
Ver Schwarzeneger
Tombém o Van Diame

Quantcha gente

Quantcha alegria
A minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia

Quantcha gente
Quantcha alegria
A minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia


Fonte: Site Letras. Disponível em:<https://www.letras.mus.br/mamonas-assassinas/24144/. Acesso em: 2 mai. 2019.



Na letra da música “chopis centis”, identifica-se algumas tendências seguidas pelos brasileiros durante o início da década de 1990. Nesse ínterim, ecoava ainda o sentimento de união advindo principalmente das camadas jovens da sociedade, pois havia poucos anos que o Brasil conquistara a sua redemocratização após o regime militar (1964-1985). Conquista fruto, primordialmente, das manifestações da sociedade civil. Além disso, o presidente eleito havia sofrido um processo de impeachment. Ou seja, a sociedade estava envolvida com fatores políticos, sociais e econômicos daquela época.

 A canção em focofaz alusãoa um jovem que trabalhava na construção civil durante o dia, e durante a noite vai ao shopping center passearpara fazer o chamado “rolezinho”, se alimentando de sanduíches que continham ingredientes desconhecidos, como o “tal de gergelim”, grão originário do Oriente Médio. Assim, o aipim, tipicamente brasileiro, é lembrado na letra da canção, sendo, na perspectiva do rapaz, um alimento mais saboroso.

A mudança de comportamento da sociedade brasileira encontra-se também em outros trechos da referida música. Um exemplo é a ida ao cinema para ver filmes estadunidenses, com presença dos atores Arnold SchwarzeneggereJean-Claude Van Damme, filmes esses que ficaram muito populares no Brasil à época.

Paralelamente, a oferta de financiamentos de bens de consumo estava também alcançando seu espaço no mercado, quando é colocado que a felicidade estava em um crediário de uma loja conhecida em todo cenário nacional. Dessa forma, ressalta-se que o poder de compra das pessoas estava se estabilizado, pois, nesse mesmo período, o Brasil estava colocando em prática o plano real, tendo como precursor o então Presidente da República, Itamar Franco, e continuado por seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso. Diante disso, destaca-se que

“[a]s transformações que a música sofre através do tempo e espaço, não ocorrem de forma aleatória, mas estão intimamente ligadas às mais diversas questões culturais, geográficas, históricas e principalmente, à mentalidade das pessoas que a produzem, executam, ouvem e divulgam, sendo, portanto, uma interessante ferramenta para melhor compreensão de determinadas demandas de natureza histórica, sociológica, filosófica, etc ” (SOARES, 2014, p. 1).

Dentre as músicas da Banda Mamonas Assassinas que podem ser analisadas em relação à questão social brasileira desse período, encontra-se também a canção “jumento celestino”, transcrita a seguir:

Música: Jumento celestino. Intérpretes: Banda Mamonas Assassinas. Compositores: Alecsander Alves (Dinho)/ Alberto Hinoto (Bento).



Tava ruim lá na Bahia, profissão de bóia-fria
Trabalhando noite e dia, num era isso que eu queria

Eu vim-me embora pra "Sum Paulo"

Eu vim no lombo dum jumento com pouco conhecimento

Enfrentando chuva e vento e dando uns peido fedorento
Até minha bunda fez um calo


Chegando na capital, uns puta predião legal

As mina pagando um pau, mas meu jumento tava mal
Precisando reformar

Fiz a pintura, importei quatro ferradura
Troquei até dentadura e pra completar a belezura
Eu instalei um Road-Star


Descendo com o jumento na mó vula

Ultrapassei farol vermelho e dei de frente com uma mula
Saí avuando, parecia um foguete
Só não estourei meu côco pois tava de capacete

Me alevantei, o dono da mula gritando

O povo em volta tudo olhando e ninguém pra me socorrer
Fugi mancando e a multidão se amontoando

Em coro tudo gritando "Baiano, 'cê vai morreêeê

Depois desse sofrimento, a maior desilusão

Pra aumentar o meu lamento, foi-se embora meu jumento
E me deixou com as prestação
E hoje eu tô arrependido de ter feito imigração
Volto pra casa fudido, com um monte de apelido
O mais bonito é cabeção



Fonte:SiteLetras.Disponívelem:



O início da música “jumento celestino”fala sobre a figura que representa um trabalhador rural, que apesar de todo seu esforço não conseguia ter uma situação financeira razoável. Assim, a única alternativa seria ir para a cidade grande. Segundo Silva (2008, p. 37), “[a] maioria dos migrantes inter-regionais que chegou à Região Metropolitana de São Paulo durante a década de 1990 era oriunda do Nordeste”. Em relação ao enunciado, Romero expõe que

“[a] migração do Nordeste para São Paulo ocorre desde o início do século XX, mas foidurante a década de trinta que esse fluxo se avolumou, incentivado pelo governo Vargas, que limitou em um terço a entrada de trabalhadores estrangeiros por empresa, e pelo governo do estado, que estimulou o movimento de mão de obra para as regiões produtoras de café e algodão no oeste de São Paulo e norte do Paraná” (ROMERO, 2014, p. 6).

Posteriormente, a letra da música ressalta a vinda do interiorano para a grande metrópole brasileira. Em primeiro momento é descreve-se os grandes prédios da metrópole, já em segundo momento fica bem claro a fala de alguém que estranha o comportamento das pessoas da cidade grande. Nesse trecho é ressaltado que mesmo após um acidente ninguém socorria o ferido, ou seja, naquele local as pessoas não estavam muito preocupadas umas com as outras, pois era apenas mais um estranho em meio à multidão. Ainda sobre o tema, é importante ressaltar que

“a migração é encarada como o resultado de um cálculo microeconômico entre as perspectivas oferecidas na sociedade de destino diante das condições prevalecentes na sociedade de origem. Neste balanço microeconômico, o trabalho, as melhores oportunidades de emprego, os maiores rendimentos se configurariam em fatores de atração; pobreza falta de oportunidade de trabalho ou meios para produção (terra, por exemplo) constituiria-se em fatores de expulsão” (SILVA, 2008, p. 38).

Continuando a compreensão da canção, pode-se identificar que na música o interiorano estava descontente com a grande cidade, porque não era nada daquilo que se imaginava. Inclusive, se arrepende de ter deixado sua terra natal. Aqui abre-se discussões sobre essa prática, a de deixar São Paulo e voltar para o local de nascimento, de criação do imigrante; isso ocorre de forma comum tanto no período em que a música foi gravada quanto na atualidade.

Conclui-se que através de estudos sobre canções da banda Mamonas Assassinas, pode-se compreender sobre diferentes temas históricos e sociais do Brasil durante o período supracitado. Destaca-se que letras de músicas como essas podem ser trabalhadas nas escolas em aulas de história e sociologia, por exemplo, abrangendo, assim, não somente o conhecimento em relação adeterminadas bandas e o conteúdo de suas músicas, mas também a análise crítica tendo em vista o contexto de produção de tais expressões artísticas.



REFERÊNCIAS:

Possui graduação em História pelo Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). É Especialista em Metodologia do Ensino de Sociologia pelo Instituto Superior de Educação Ateneu (ISEAT). Pós-graduado em Biblioteconomia pela Faculdade Futura e graduando em Serviço Social pela Universidade Santo Amaro (UNISA). É também professor regente de aulas de História na Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE-MG). E-mail: edivaldorafael007@gmail.com

BUENO, E. Mamonas assassinas: blá, blá, blá. São Paulo: LePM, 1996.
Mamonas assassinas: o show deve continuar...

CHÉRRI FILHO, E. Mamonas assassinas: o show deve continuar. São Paulo: Alaúde, 2004.

MORAES, J. G. V. História e música: canção popular e conhecimento. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 20, nº 39, p. 203-221. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/v20n39/2987.pdf>. Acesso em: 2 mai. 2019.

ROMERO, M. Nordestinos em São Paulo nos anos 1950: Imprensa popular, ciência e exclusão social. Anais eletrônicos do XXII Encontro Estadual de História da ANPUH-SP. Santos, 2014. Disponível em:<http://www.encontro2014.sp.anpuh.org/resources/anais/29/1406912950_ARQUIVO_ANPUHNordestinosemSaoPaulonosanos1950.pdf>. Acesso em: 2 mai. 2019.

SILVA, U. V. Velhos Caminhos, Novos Destinos: Migrante nordestino na Região Metropolitana de São Paulo.178 p. Dissertação de Mestrado em Sociologia, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2008.

SOARES, N. S. A Pesquisa em História e Música. In: Anais do XIX Encontro Regional de História (Anpuh – MG), Juiz de fora – 28 a 31 de julho de 2014. Disponível em:<http://www.encontro2014.mg.anpuh.org/resources/anais/34/1400552409_ARQUIVO_APesquisaemHistoriaeMusica.pdf>. Acesso em: 2 mai. 2019.

Site Ecadnet. Disponível em:<https://www.ecadnet.org.br/Client/app/#/Consulta/Obra/1?valor=jumento%20celestino>. Acesso em: 2 mai. 2019.
Site Ecadnet. Disponível em:<https://www.ecadnet.org.br/Client/app/#/Consulta/Obra/1?valor=chopis%20centis>. Acesso em: 2 mai. 2019.

8 comentários:

  1. Boa Noite Edivaldo!
    Parabéns pelo texto e por nos trazer essa ótima interpretação das músicas desta banda que muito foi criticada.
    Você cita a utilização em escolas. Poderia de forma objetiva demonstrar como serem usadas essas interpretações da melhor forma em sala de aula?
    Obrigado.

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    1. Primeiramente, obrigado pela pergunta Luiz Adriano. Acredito que vai depender de professor para professor. Eu, por exemplo, gosto de trabalhar músicas dentro de temas específicos. Um exemplo do uso dessas duas músicas seria dentro da análise dos governos Itamar Franco e FHC, ou até mesmo uma análise sobre a questão do consumismo, da migração, desigualdade social no período da década de 1990 ou da expansão dos filmes estadunidenses e suas propagandas. Enfim, eu gosto de expandir sobre um determinado eixo temático. Espero ter lhe respondido.

      Abraços, Edivaldo Rafael de Souza.

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  2. Boa noite Edivaldo de Souza! A música é uma excelente fonte para ser trabalhada em sala de aula e para produzir a escrita da História. Gostaria de saber quais as dificuldades encontradas em trabalhar essa fonte principalmente em escolas públicas.

    Claudia Vanessa Brioso Santos.

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    1. Acredito que primeiramente o professor deve pesquisar sobre o tema que irá ser abordado em sala de aula. Ter um aparelho portátil de som também ajuda, pois nas escolas públicas de forma comumente esses equipamentos estão em falta. Além disso, é possível utilizar a tv da própria instituição que irá servir para a reprodução de um clipe com a música e sua letra. Ademais, acho importante cobrar do estudante atividades relacionadas a música.

      Atenciosamente, Edivaldo Rafael de Souza.

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  3. Boa noite! Gostei muito do seu texto, nunca tinha imaginado tanta sabedoria nas músicas dos Mamona! Como você vê a relação da música com o ensino da História?

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    1. Obrigado pela pergunta Silvana. Acredito que a música é uma importante ferramenta para o uso por parte dos professores de História, pois além de serem trabalhados eixos temáticos obrigatório na grade curricular, pode - se também auxiliar em um desenvolvimento de senso crítico por parte dos estudantes, auxiliando assim para a sua formação enquanto cidadão.

      Abraços, Edivaldo Rafael de Souza.

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