DOS QUE VISITAM AOS QUE HABITAM: A REPRESENTAÇÃO DOS URUBUS NA AMAZÔNIA DO SÉCULO XIX

TALITA ALMEIDA DO ROSÁRIO
WENDELL P. MACHADO CORDOVIL


Com as crises ambientais ganhando cada vez mais espaço no cenário global de discussões desde a década de 1960, muitos historiadores empenham-se em buscar em suas fontes e enfatizar em seus trabalhos agentes não humanos que também constroem a história. Na década de 70 do século XX emerge a chamada História Ambiental (WORSTER, 1991) e com ela o esforço de historiadores em mostrar que a história humana não se desenvolveu separada da natureza, mas sempre precisou dessa, e fez parte dela. As florestas ganham espaço nas narrativas históricas, os rios e os animais.

Dentro dessa perspectiva esse trabalho visa expor as representações sobre os urubus na Amazônia do século XIX. Presença atual na região, o urubu muitas vezes é ignorado e pouco aparece em trabalhos historiográficos, mas desde muito tempo é um personagem amazônico. Nesse breve texto temos a pretensão de apresentar os urubus como sujeitos históricos presentes ao longo da história da Amazônia, ora aparecendo como objeto de observação de viajantes, ora como figura indispensável para a limpeza das ruas, importância reafirmada nos páginas dos jornais e nas leis municipais.

A figura do urubu na Amazônia pelo olhar dos viajantes

Os viajantes estrangeiros ao visitarem durante o século XIX o norte do Brasil não deixaram de registrar a presença do urubu no cotidiano urbano, mas também para além dele; observaram em seu modo de viver nas áreas de florestas e de campos amazônicos, nos quais estabeleceu relações com os humanos que neles moravam. Um desses viajantes foi Wallace Russel que na manhã de 26 de Maio de 1848 chegou à Baia do Guajará e de lá relatou a sua vista da cidade de Belém. Wallace (2004, p.36) a descreveu circundada por uma “densa floresta”, o que segundo ele proporcionava aos olhares um “espetáculo duplamente belo” com sua paisagem repleta de espécies de vegetações tropicais; entre as quais se destacavam a bananeira e a palmeira.

Nessa paisagem, também incluiu os urubus que sobrevoavam no alto da cidade ou então, apareciam “indolentemente” caminhando na praia (Ibid, p. 36). A imagem do urubu que está inserido no momento do desembarque na cidade de Belém pelo Vero o peso ou por quem passa próximo à praça do relógio e os ver junto aos peixeiros e apanhadores de açaí que abastecem a região, não é exclusiva de atualmente. Guardada as peculiaridades do tempo e espaço, as experiências visuais de um cotidiano belenense marcado pela figura do urubu já se fazia presente no sec. XIX, como pode ser constatado nas descrições de Wallace. Mais detalhadamente em um cotidiano que essa ave compartilhava os céus com andorinhas pousando sobre os telhados das casas e da igreja e sobre negros e índios que atravessavam a baia por canoas (Ibid, p.  36).

Esse cotidiano da cidade de Belém do século XIX relatado por Wallace que o urubu participa também foi registrado em pintura pelo italiano Joseph Léon Righini, o qual se estabeleceu em Belém em 1857. Em sua pinturaEstrada do Arsenal da Marinha”, o urubu aparece sobrevoando o céu, assim compondo uma paisagem urbana junto com os casarões, vegetações e escravos realizando suas tarefas. Tal pintura é parte do álbum intitulado “Panorama do Pará em Doze Vistas”.


Estrada do Arsenal da Marinha. Joseph Léon Righini, 1967. Disponível em: http://www.ufpa.br/cma/imagenscma.html

Visitando as localidades mais interioranas do Pará, Wallace chegou ao Marajó. Essa região era abundante em espécies de pássaros, o que saltou aos olhos do viajante que registrou muitos deles, entre os quais se encontra o urubu em lugares de mata e de campos. Sobretudo, registrou o modo como os seres humanos mantinham uma relação com os urubus que ali se encontravam. Neste sentido, descreveu a descamação e salga do peixe, a qual se tratava de uma prática empreendida pelos habitantes dessas áreas distantes da cidade que os urubus também participavam. O campo e a floresta são ambientes preenchidos por rios, assim o peixe representava aos moradores humanos uma fonte para a própria subsistência, ao mesmo tempo em que era visto também como produto comercializável (Ibid,p.141). Assim, a salga também era percebida pelo urubu como uma forma de adquirir alimento, o que mantinha esses dois grupos de sujeitos em uma relação de convivência.

Segundo Wallace, após retirar as escamas e extrair a carne do peixe, era salpicado com sal e colocado para secar em varas ou sobre o solo por 2 a 3 dias (ibid, p. 141). As sobras dos peixes como as espinhas e as cabeças “forneciam ao urubu um fino repasto” (ibid, p. 141) e logo a noite, as vezes, “algum jaguar, também as carrega”, mas esses eram diferentes dos urubus pois preferiam os peixes inteiros quando estavam ao seu alcance (ibid. p. 141). As sobras de animais mortos deixadas pelos humanos na mata davam possibilidades do urubu garantir alimento, uma vez que a caça era uma restrição em seu hábito por causa da sua fisiologia, pois segundo o biólogo Menq (2016) os urubus não eram caçadores por não possuir garras adaptadas para capturar e matar presas como os gaviões. Por outro lado assumia na floresta a função mais notavelmente de decompor as sobras de animais mortos de forma mais acelerada, principalmente aqui resultados da ação humana, fazendo por não ficarem expostos por muito tempo.


Podemos observar esta função de decompositores dos restos de alimentos deixados pelos humanos na representação feita por James Champney Well no álbum de gravuras intitulado “Travel in the North of Brazil”. O viajante registrou várias cenas da vida amazônica nas regiões de campo e mata, por exemplo, como a caça noturna, a extração do leite da seringueira e outros mais como temos também a presença de um bando de urubus que aparecem destacados sobre um cercado em meio a vegetação nas margens de um rio. O título da obra “catadores da cidade” demonstra a observação do viajante sobre o urubu como uma ave peculiar que tinha uma função especifica de limpador das cidades ou vilas



CHAMPNEY, James Wells. City Scavengens. [S.l.: s.n.], 1860. 1 desenho, bico de pena e aguada, pb.
Disponível em: http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.asp?codigo_sophia=22006. Acesso em: 30 jun. 2019.


Wallace o encontrou também nas matas do Amazonas, nessas constatou algumas questões precisas sobre os urubus. Primeiro que nas florestas das margens do rio Negro, os “comuns urubus pretos” eram abundantes e andavam famintos de carniça. Entretanto, na falta de carniça ou outra coisa que pudessem comer, acabavam se alimentando de “frutos da palmeira na floresta” (WALLACE, 2004, p.235). Mostrando que em situações de carestia recorriam à possibilidades que a vida na floresta dava a eles, adaptando sua alimentação para a não ingestão de carne. Em segundo, após observações do urubu em diversos momentos, desde do Pará até o Amazonas, Russel Wallace (Ibid, p.236) considerou que dependiam muito mais da boa visão para conseguir alimentos do que seu olfato. E por esse motivo, diz ele, escolhiam posições mais elevadas para enxergar o alimento.

“Às vezes, voando a grande altura, descem na floresta, procurando o local onde morreu, ou foi abatida uma rês, e isso antes de a carne putrefazer-se ou exalar qualquer mau cheiro. Algumas vezes, eu enrolava um pedaço de carne semipútrida num pedaço de papel, e atirava-o ao chão. Desciam logo; mas após passarem sobre ele, retiravam-se inteiramente satisfeitos de que aquilo era somente papel e nada do que quer que fosse para comer.” (Ibid, p.236)

Estar em vigilância nos céus e descer na mata eram estratégias para a busca de comida, o que na Amazônia foram fundamentais, pois possivelmente deveriam encontrar dificuldades em encontrar carcaças vistas de cima diante da densidade da mata, o que poderia ser um fator que contribuía às mudanças de rotina alimentar dos urubus, como foi posto acima. Tratando sobre a fisiologia dessa ave e seu modo de viver, Willian Menq (2014) afirma que normalmente encontram com maior facilidade os animais mortos que estão em terra firme, pois são aves de “excelente visão”; exceto os da espécie de gênero Cathartes que tem um olfato aguçado e conseguem encontrar cadáveres com pequenas distâncias através do odor.

Os urubus serviram de inspiração a muitos artistas como Leon Righini no século XIX e Oswald Goeldi no século XXque os pintaram em gravuras, revelando a constante presença do urubu nas diferentes temporalidades da sociedade. Apesar disso, este animal pouco foi percebido nas produções historiográficas, sobretudo da Amazônia, embora existam documentações como o significativo escrito de Wallace que constatam essas aves no passado, o que contribuiu para trazermos neste trabalho o protagonismo do urubu.

Urubus na Amazônia: de fiscais sanitários do século XIX a opositores da criação bovina no século XX

Seja voando em bando e com isso avisando que a chuva se aproxima ou em suas empreitadas individualistas em meio ao lixo nas ruas, o urubu é uma figura presente em todo o Brasil. Em Belém do Pará, por exemplo, é personagem que se destaca na paisagem do Ver-o-peso ou em praças como a Batista Campos. Ignorado por alguns e observado atentamente por outros se torna personagem de quadrinhos, como nas histórias do urubu “Caroço” de Amanda Barros, e de músicas, como “No meio do pitiú” de Dona Onete, assim reafirmando sua atualidade no cenário de cidades como Belém.

Mesmo sendo tão visível nos dias de hoje ganha pouco destaque nos trabalhos historiográficos, mas ao olhar do pesquisador mais atento esse personagem se faz presente na história do Brasil desde o período colonial.

No livro “O Nordeste: Aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil”, de Gilberto Freyre, mais especificamente no capítulo 4 o autor comenta brevemente sobre a importância do urubu para a sociedade canavieira colonial:

“Útil foi também, até certo ponto, à civilização do açúcar no Nordeste o urubu, ainda hoje, e apesar de todos os perigos de sua presença repugnante, considerado insubstituível em certos trechos rurais e até urbanos da região, como consumidor de carniça e devorador de restos de bicho morto. Ao urubu deve-se também a propagação do dendezeiro pelo Nordeste da cana-de-açúcar, que foi uma propagação útil. Útil e esteticamente significativa.” (FREYRE, 2004, p. 114).

Gilberto Freyre possuiu a sensibilidade em se atentar para a importância desse animal não humano na construção da paisagem do Nordeste, uma construção que, segundo o autor, possui utilidade e ajuda a definir a estética da região. Uma dessas contribuições estéticas que Freyre encontra na figura do urubu é a de propagar o dendezeiro. Ainda hoje o urubu é tido como o maior agente de distribuição das sementes dessa árvore, pois após o consumo do coco o animal as defeca por toda a região (BIONDI et al, 2008, p. 19).

Outra contribuição dos urubus para a sociedade colonial destacada por Gilberto Freyre é a da limpeza de trechos rurais e urbanos. A resistência dos urubus às bactérias presentes na carne em decomposição permitiu que esses fossem vistos em muitos momentos como agentes da limpeza pública ao livrar as ruas dos restos de carne de animais mortos.

A relação que se construiu no Brasil para com esses animais talvez tenha sido uma particularidade em relação aos outros países. Um indício disso é o “Almanach de lembranças luso-brasileiro” para o ano de 1859. O almanaque, fundado por Alexandre Magno Castilho com publicações de 1951 a 1932, apresentava vários conteúdos entre, como poesias, passatempos e curiosidades. Na publicação de 1859, uma das curiosidades apresentadas trata sobre a relação de uma cidade do Pará com esses “corvos negros”, mais especificamente sobre Belém e os urubus:

“O estrangeiro que chega a essa cidade do Pará fica admirado ao ver em todos os seus largos e praças, bandos de corvos negros, a que aqui chamão Urubús, passeando muito á vontade proximo á gente e mimoseando-a com o seu cheiro repugnante. [...] ” (p. 129).

Nesse momento o urubu é destacado como algo que causa surpresa nos estrangeiros que chegam, mas que é muito frequente nos espaços da cidade, porém possuidor de um “cheiro repugnante”.

Após comentar sobre a batalha dos urubus na praça do mercado, onde esses são os “combatentes” que guerreiam entre 40 ou 50 para conseguir “alguma tripa de pirahiba, que os vendedores d’este peixe lhes atirão” (p. 129), o texto do almanaque apresenta grande surpresa sobre a postura da Câmara Municipal para esses animais:

“O descanço e liberdade de que os urubús aqui gozão no Pará são devidos a uma postura da Câmara Municipal, em que se impõe a multa de 10$000 réis a quem matar estes prestantes cidadãos, visto serem os únicos zeladores da Câmara, e terem a seu cargo a limpeza das ruas e praias, cargo que desempenhão escrupulosamente! O que é o progresso!... Quando pensarião nossos avós que até os urubús havião de vir a ser empregados municipaes!...” (p. 130).

A relação da sociedade do Pará com os urubus aparecendo como curiosidade no almanaque nos permite compreender que essa relação não era comum em todos os países, principalmente quando o trecho final destaca sobre nunca se poder imaginar que até os urubus se tornariam empregados municipais. No entanto, as fontes indicam que no Brasil diversas regiões mantinham a preocupação com a segurança desse animal, pois era tido quase como um agente sanitário que cuidava da limpeza das ruas.

Exemplo da importância do urubu para a manutenção da limpeza em cidades da Amazônia é a publicação do dia 28 de Fevereiro de 1871 do jornal “Diário de Belém”. Na primeira página dessa edição do jornal é possível ler sobre “o immenso gato que estava a desfazer-se lentamente em podridão” na Rua Formosa, entre as travessas São Matheus e Passinho desde o dia 22 daquele mês. O jornal afirma que “Quem quer que desembocasse nessa rua até o dia 26, ou tinha que recuar e arripiar carreira, ou tapar o nariz com um lenço”.

Em seguida o jornal critica o presidente da Câmara Municipal, o Dr. José da Gama Malcher, por conta de mesmo após supostamente ter atolado o cavalo “nas entranhas putrefactas” do gato morto, e cuspir de nojo, nada fazer. O jornal agradece outro personagem histórico como agente público responsável pela limpeza das ruas: “A caridade dos urubús é finalmente que acaba de socorrer-nos, pois que lhe estava fazendo o enterro [do gato]. Bem hajam eles, enquanto dorme o sr. dr. Malcher e os seus fiscaes.” 

Nessa nota intitulada “É muito zelosa a Câmara Municipal dessa cidade” fica clara a importância dos urubus para o consumo dos animais mortos pelas ruas da cidade, mas também é evidente que a figura do animal é usada para criticar a gestão do município. Em quanto os fiscais não executam seu trabalho de limpeza o urubu age e aparece quase como um empregado municipal.

Aparecem também como personagens da cidade de Manaus, no Amazonas, ajudando na limpeza da cidade quando comem a carne de gatos mortos. Na publicação do dia 26 de Julho de 1898 do jornal “Commercio do Amazonas” a página inicial destacava em uma nota que: “Os urubús prestaram hontem pela manhã todas as honras á que tinha direito, um pobre representante da raça felina, que teve a infelicidade de morrer em plena Avenida de Palácio”.

A representação do urubu como um agente sanitário aparece também nos escritos de Friedrich Dahl sobre a Amazônia. “A fauna do Pará” (DAHL, 1896), traduzido e comentado para o português por Emilio Goeldi, apresenta um breve comentário sobre “o abutre preto”, na página 359, chamando-o de “[...] o varredor das ruas do Pará, vive na verdade em número avultadissimo na cidade. [...] Não é arisco, tão pouco, que quasi se deixa tocar”.

Ainda nos escritos de Friedrich Dahl (DAHL, 1896) é comentado algo importante para se compreender a postura dos municípios da Amazônia, e do Brasil, sobre os urubus quando o pesquisador explica o motivo desses animais não serem ariscos: “Explica-se isto pelo faço, de ser prohibido com multa alta, matar este rapineiro útil dentro da cidade”.

A multa alta a que Dahl se refere, que também é citada no “Almanach de lembranças luso-brasileiro”, aparecia não apenas nas leis da capital paraense, mas também no Código de Posturas de cidades como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, e no Código Municipal de Manaus.

Em quanto no Código de Posturas do Rio de Janeiro e de Minas Gerais o artigo que proibia a população de matar urubus aparecia em uma seção de “higyene”, em localidades como Manaus e Villa da Bôa-Vista do Rio Branco o artigo aparece em seção intitulada “Dos animaes”. No Capítulo IX do Código Municipal de Manaus (Lei Nº. 23 de 06 de maio de 1893) encontra-se: “Art. 143. É prohibido matar urubús. O infractor incorrerá na multa de 5$000 réis ou um dia de prisão”.  Já na Intendência de Silves, no Amazonas, a Lei Nº 2 de 20 de janeiro de 1896 define em seu artigo 52, no Capítulo VI intitulado “Utilidade comum”, que a pena para quem matar urubus é de 5$000 réis ou dois dias de prisão.

As fontes mostram que pelo menos desde a década de 50 do século XIX existia legislação no Pará que protegia os urubus, e sabe-se que também em Manaus no mesmo período (IANSEN, 2017). Já a partir da década de 90 do mesmo século é possível encontrar artigos nos Códigos de Posturas de diversas cidades do Brasil a mesma preocupação com esses animais. Os urubus mantém até o início do século XX um status de agentes essenciais para a manutenção da higiene nas cidades brasileiras.

Como o leitor pôde perceber, esse status era assegurado não apenas nos jornais, que em alguns momentos publicavam até poemas de leitores onde o eu lírico dizia que apenas Deus e o urubu o salvariam do descaso da municipalidade com a higiene das ruas (CORDOVIL, 2018), mas também em leis de diversas províncias brasileiras. Porém, a partir das fontes é possível perceber que a situação muda no início do século XX.

Antes representados como varredores das ruas, limpadores e agentes municipais a partir do XX se tornam os “importadores de moléstias”. No “Relatório sobre a marcha do Museu Goeldi no anno de 1909” comenta-se que foi um ano de prosperidade para o Jardim zoológico, mas alguns animais foram afetados pelo carbúnculo acabaram morrendo. O relatório é enfático em afirmar:

“Não pode haver dúvida que a importação d’esta molestia perigosa deva ser attribuida aos urubús que costumam infestar o Jardim zoologico durante as horas quentes do dia, mostrando uma predileção marcada para o cercado das antas. Para livrar-nos d’estas visitas importunas e perigosas, não há outro meio senão de fazer-lhes uma guerra contínua, matando-os a tiros de espingarda” (p. 27-28).

O carbúnculo não era a única enfermidade pela qual culpavam o urubu de ser o agente “importador”. Uma batalha contra esses animais se inicia também por conta da expansão da febre aftosa no Brasil. Identificada em 1870 na América Latina, mais especificamente na Argentina (NAGATA, 2014), o primeiro caso no Brasil foi identificado em Minas Gerais no ano de 1895 (LYRA, 2003, apud MARQUES, 2013, p. 13). Na primeira página do “Jornal do Commercio”(AM) de 28 de maio de 1917 um pequeno artigo intitulado “Como tudo muda” exemplifica bem a mudança de posições da sociedade da Amazônia para com os urubus. No texto fala-se sobre a discussão das “corporações legislativas” de Manaus sobre revogar a lei “carrancuda, systematica imperativa” de proteção aos urubus para combater “o transmissor da aphtosa”.

Antes a população agradecia esses fiscais sanitários que limpavam áreas urbanas e rurais. Agora com a possibilidade de serem transmissores da febre aftosa para a criação bovina “os fazendeiros vão dando cabo dos urubus”. Mesmo apoiando a batalha contra os urubus o artigo do jornal termina indagando: “Resta, porém, uma ultima prova: será mesmo conductor da aphtosa o urubu?”.

REFERÊNCIAS:


Talita Almeida do Rosário é graduanda de licenciatura em História pela Universidade Federal do Pará. Bolsista de Iniciação Científica orientada pela Profa. Dra. Sueny Diana Oliveira de Souza.

Wendell P. Machado Cordovil é graduando de licenciatura em História pela Universidade Federal do Pará. Bolsista de Iniciação Científica (UFPA) orientado pelo Prof. Dr. Wesley Oliveira Kettle em uma pesquisa sobre Educação Ambiental e ensino de História.

ALMEIDA, Tunai Rehm Costa de. Belém, uma história Ambiental: Representações da Natureza na capital paraense (1897 a 1902). In: XXVII Simpósio Nacional de história: Conhecimento histórico e diálogo social. Natal (RN), 2013. Disponível em: http://snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364772276_ARQUIVO_historiaambiental-anpuh.pdf Acesso em: 11/07/2018.

BIONDI, Antonio; MONTEIRO, Mauricio; GLASS, Verena. O Brasil dos Agrocombustíveis–Impactos das Lavouras sobre a Terra, o Meio e a Sociedade-Palmáceas, Algodão, Milho e Pinhão Manso. ONG Reporter Brasil, 2008.

CORDOVIL, Wendell P. Machado. Belém e os urubus: entre sobressaltos e gratidão, as representações do urubu em favor de políticas de higienização da cidade (1870-1883).   Disponível em: http://escoladosananins.blogspot.com/2018/07/belem-e-os-urubus-entre-sobressaltos-e.html Acesso em: 26/06/2019.

DAHL, Fr., “A Fauna do Pará”, Boletim do Museu Paraense de História Natural e Etnografia, Belém, 1(4), 1896, p. 357-374.

FREYRE, Gilberto. A cana e os animais. In: _________. Nordeste: Aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil, 7ª Ed., São Paulo: Global Editora, 2004, p. 97-119.

IANSEN, Marta. Os urubus de Manos no XIX. Disponível em: https://martaiansen.blogspot.com/2017/03/urubus-de-manaus.html Acesso em: 26/06/2019.

MARQUES, G. H. F. A experiência brasileira na erradicação da febre aftosa e o emprego do sistema I-ELISA 3ABC/EITB para certificação sanitária de bovinos e bubalinos. 2013. 70 f. Dissertação (Mestrado em Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio) - Instituto Biológico, São Paulo, 2013.

MENQ, W. (2014) Urubus do Brasil - Aves de Rapina Brasil. Disponível em: < http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/Urubus_do_brasil.pdf > Acesso em: 13 de Novembro de 2018. Fonte: 
http://www.avesderapinabrasil.com/ 
© Aves de Rapina Brasil

NAGATA, Walter Bertequini. Perfil epidemiológico da febre aftosa no Brasil: a evolução do programa nacional de erradicação e prevenção da febre aftosa. Conclusão de curso, 2014.

Wallace, Alfred Russel, 1823-1913. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. v. 17, 630 p. 

3 comentários:

  1. Interessante a relação do homem com natureza, e como a significados e significados do urubu na sociedade brasileira desde o período colonial.

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    1. Sim. É muito interessante a coexistência de diferentes perspectivas sobre os urubus durante o sec. Xix. Ora como uma ave necessária ora como uma ave que deveria ser extinta por ser uma possível ameaça. Obrigada pela participação.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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