Francicleia
Ramos Pacheco
Elbia
Cunha de Souza
1-
INTRODUCÃO.
Em um contexto geral as populações
tradicionais sempre foram retratadas como um entrave ao progresso, como sendo
grupos que impedem a construção do futuro glorioso que chega através das novas
e preciosas construções, essa visão eurocêntrica não considera a dinâmica
social desses grupos, deixando de valorizar as características que possuem,
rotulando apenas como povos atrasados.
O presente trabalho apresenta a
discussão sobre as comunidades tradicionais na Amazônia, destacando os
conflitos que marcam a região e como essas populações lidam com essa realidade,
considerando análises feitas em alguns documentos mostramos como esses
conflitos são recorrentes na história dessa região, partindo dessas análises
destacamos a importância da discussão sobre esses grupos e como é necessário
romper com o discurso que apresentam esses sujeitos a partir de estereótipos.
Destacamos também possibilidades da utilização dessas fontes no espaço escolar,
como estratégia para desconstruir os estereótipos criados sobre esses grupos,
verificando as formas de resistência que desenvolvem para sobreviverem a esses
conflitos.
Nesse contexto, é importante destacar
como esses conflitos têm em sua origem os interesses de grupos particulares que
buscam ter o controle de um território, e não medem esforços para conseguirem
isso, nessas disputas os agentes envolvidos têm seus direitos negados e o
resultado disso são mortes e confrontos nesses espaços de disputas, advindos
principalmente dos interesses divergentes entre esses grupos.
No Estado do Pará esses conflitos são
recorrentes com a abertura de estradas, construção de hidrelétricas e tantas
obras que chegam à região gerando impacto direto na vida das populações locais,
“essas novas dinâmicas têm acelerado o processo de expropriação e exploração
irracional do território, que resultam em desmatamento e muita violência,
envolvendo novos e antigos ocupantes do espaço territorial”
(SILVA/PEREIRA/SOUZA, 2012, p.1) na disputa por esses territórios as empresas
não consideram a dinâmica das pessoas que moram nesses locais, geralmente
colocam uma proposta, impossibilitando a permanência deles no mesmo espaço,
ocorrendo assim uma mudança de território imposta por essas obras que modificam
não apenas o território, mas a vida das pessoas.
As comunidades tradicionais que têm
seus territórios invadidos lutam para manter o controle sobre esses locais, não
apenas por si, mas por todos os seus descendentes, pois é preciso garantir que
os direitos destes também sejam respeitados, para eles o território “abrigam
todas as formas de reprodução, ou seja, a dinâmica social que inclui a
econômica, a política e a cultural ” (SILVA PIMENTEL/ RIBEIRO, 2016 p.230)
nesse sentido estão lutando sobretudo para garantir a manutenção do seu
território, por significar o espaço onde desenvolvem suas dinâmicas sociais e o
diálogo com diferentes grupos.
Torna-se necessário o debate sobre a
problemática da disputa por territórios e o papel desempenhado pelas
comunidades tradicionais, verificando as estratégias desenvolvidas por esses
grupos para manterem o direito sobre esse espaço, além de pensarmos metodologias
para aplicarmos no Ensino de História ao ensinarmos sobre esses sujeitos,
buscando romper com os estereótipos que foram criados e que muitas vezes
permanecem no livro didático.
2-
CONFLITOS REVELADOS NAS FONTES
O trabalho foi desenvolvido a partir da
análise nos processos criminais da comarca do Pará em 1837, buscou-se perceber
nessas fontes indícios sobre possíveis conflitos envolvendo populações
tradicionais na luta por seus territórios. Além de pensarmos sobre a
possibilidade de utilizar essas fontes nas aulas de História, apresentando aos
alunos a documentação dos processos criminais e como manuseá-las para
compreendermos as informações contidas em suas páginas.
Nessa análise não existe uma menção
clara e direta envolvendo o nome das populações tradicionais, por isso é
necessário o trabalho minucioso de interpretação das fontes, percebendo nas
entrelinhas as informações que estamos buscando, mesmo não tendo o nome desses
grupos identificamos o relato de conflitos devido à invasão de propriedade, nesses
casos o proprietário faz reclamação na Delegacia de Polícia exigindo que esses
invasores sejam punidos.
Um dos documentos encontrados revela
uma intimação destinada aos sujeitos Pedro Pires e Mathias, acusados de
“tiragem de madeira (pau rosa)” solicita-se que compareçam na delegacia para
darem esclarecimentos sobre o ocorrido, percebemos como os proprietários eram
capazes de identificar os invasores, e através dessa identificação procuravam
diminuir esses ataques através das prisões que ocorriam. É importante destacar
também que nesse período as invasões nas propriedades eram decorrentes da
procura por madeira, ou seja, alguns sujeitos eram contratados para invadirem
essas terras e tirar madeira, as constantes reclamações presentes na comarca dizem
respeito à essa prática de crime, assim como aqueles que tem sua propriedade
invadida reconhecem quem mandou praticar tal crime exigindo que o responsável
esclareça “porque motivo mandou o seu pessoal invadir àquela propriedade ”.
Assim é possível perceber a permanência dessas reclamações, que tinham por
objetivo o controle e manutenção de um território.
Nota-se através disso que os conflitos
e disputas pelos territórios permanecem até os dias atuais, mesmo que tenha
mudado os personagens, o pano de fundo continua o mesmo, é a busca pelo
controle e a manutenção de um grande território, que para alguns é sinônimo de
lucros e riquezas, e para as comunidades tradicionais é apenas o local onde
vivem desde que nasceram e de onde retiram tudo que precisam.
Um dos cenários conhecidos nessa região
do Pará por essas disputas é o campo, onde são travadas constantes lutas entre
os grupos pela posse do território, as alianças feitas entre o estado e os
proprietários busca enfraquecer o lado dos camponeses “como resultado milhares
de camponeses expulsos de suas terras passam a migrar para as áreas urbanas em
busca de trabalho, ou na pior das situações, em busca de um lugar para morar”
(SILVA/PEREIRA/SOUZA, 2012, p.4) em síntese percebemos como essas disputas pelo
território movimenta os interesses de particulares, tanto nas Fontes que foram
analisadas do ano de 1937, quanto esses conflitos no campo atuais, os sujeitos
que ocupam um determinado lugar precisam lutar contra o interesse de grandes
proprietários, para que possam permanecer no seu território de origem.
3-O ENSINO DE HISTÓRIA PARA ALÉM DOS ESTEREÓTIPOS
Ao que se refere ao Ensino de História
das comunidades tradicionais percebemos que o livro didático analisado não
contempla esses sujeitos como deveria, pois, as características desses grupos e
as dinâmicas sociais que possuem não são expostas, permanecendo o discurso
geral que não privilegia as relações especificas de cada grupo, reproduzindo a
ideia de que pertencem à um mesmo grupo, quando sabemos que isso não é verdade.
Por isso é necessário desenvolvermos atividades com os alunos possibilitando o
conhecimento desses grupos, e das lutas que travam pela conquista do seu
território, como já refletimos não é apenas sobre o local onde moram, e sim
porque esse espaço abriga todos os tipos de relações que conhecem. Para
aproximar os alunos desse debate é importante fazer um levantamento das
comunidades tradicionais existente na região, mostrando através disso que não
são grupos distantes, mas que permanecem na luta constante por seus direitos.
É possível utilizar a realidade atual
sobre os conflitos no campo para iniciarmos os debates sobre as comunidades
tradicionais, fazendo comparações entre esses grupos e mostrando aos alunos as
diferentes realidades que enfrentam, despertando assim o interesse deles de
conhecerem personagens para além daqueles que o livro didático apresenta devido
o livro apresentar apenas alguns personagens e na sua maioria com um discurso
que não privilegia a todos.
Além disso, é necessário romper com os
estereótipos criados acerca dessas populações tradicionais, que são vistas como
atrasadas, passivas, e que não reagem ao contato com outros grupos, essa ideia
desconsidera as particularidades desses sujeitos, ocultando suas lutas e tudo
que conquistaram ao longo da história, torna-se essencial despertar nos alunos
novos interesses para que conheçam esses grupos em sua totalidade, e assim não
reproduzam os mesmos discursos.
É preciso conhecer essas populações
tradicionais, fazendo com que esse conhecimento transforme a ideia que os
alunos possuem, problematizando a ausência nos livros didáticos, mas também
oferecendo novas possibilidades de compreensão, refletindo sobre o discurso
presente nos livros didáticos nota-se que “o conhecimento produzido não tem
tido o impacto que poderia ter” (MANCINI/ TROQUEZ, 2009, p.185) isso acontece
quando os educadores apenas reproduzem os discursos, sem oferecer outras
possibilidades e possíveis caminhos de compreensão. Romper com os estereótipos
é um dos grandes desafios do professor de História, para que o seu oficio seja
um instrumento de transformação na sociedade, isso requer dedicação e o
conhecimento das populações tradicionais para que através disso elas sejam
reconhecidas e tenha seus direitos respeitados.
4-CONSIDERACÕES FINAIS
A luta continua! Ela não termina quando
as populações tradicionais são retiradas de seu território, pelo contrário é o
começo de uma nova jornada, para conquistar o direito de voltar novamente, é a
luta que passa de pai para filho, no reconhecimento por aquilo que lhes pertence,
contrariando os interesses dos grandes proprietários que buscam eliminar esses
grupos, eles continuam resistindo, lutando, fazendo história, “eles são
vítimas- resistentes heróis combatentes que não lutam por glória, mas por vida,
que tentam enfrentar a morte em cada emboscada, que olham nos olhos da
tragédia, da injustiça, sem esmorecer, sem desistir.” (SILVA/PEREIRA/SOUZA,
2012, p.17) são heróis com o poder de continuar adiante, de enfrentar as
dificuldades na conquista por um amanhã melhor.
E essa luta também é nossa quando
assumimos o compromisso de ensinar sobre essas populações, quando trazemos para
as nossas aulas esses personagens tão atuais, que estão presentes no nosso
meio, construindo uma história de superação, de alegria e sobretudo de determinação,
que está para além dos estereótipos, mas possuem rosto, olhar e uma luta que
também é de todos, uma luta por direitos iguais.
REFERÊNCIAS
Fonte disponível em: CATÁLOGO CRIMINAL DA COMARCA DO
INTERIOR-CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZONIA. Belém-PA CMA, 2018.
MANCINI, Ana Paula Gomes E TROQUEZ, Marta Coelho Castro. Desconstruindo estereótipos:
apontamentos em prol de uma prática educativa comprometida eticamente com a
temática indígena. Campo Grande- MS, Tellus,
ano 9, n.16, p.181-206, jan. /jun. 2009.
NADAI, Elza. O Ensino de
história no Brasil: trajetória e perspectiva. Rev. Bras de Hist. S. Paulo, v.13, n 25/26 pp.143-162.
Set.92/ago. 93.
SILVA, Cristiane Freitas
da. PEREIRA, Tatiane da Silva. SOUSA JÚNIOR, Aírton Silva de. “Conflitos agrários, violência e impunidade: a luta do campesinato
paraense por justiça social”. 7º Encontro anual da ANDHEP-
Direitos humanos, Democracia e
Diversidade. UFPR Curitiba (PR).2012. p.1-18
SILVA PIMENTEL, M.A; RIBEIRO, W. C. Populações tradicionais e
conflitos em áreas protegidas. Geousp – Espaço
e Tempo (Online), v.20, n.2,
p.224-237, mês. 2016
VAINFAS, Ronald. (et. al.). História doc., 9º ano. 1. ed. – São
Paulo: Saraiva, 2015.
Embora o livro didático ajude o professor a nortear a construção das aulas, a questão das comunidades tradicionais, de fato, ainda precisa ser repensada. Gostaria de saber se vocês pretendem realizar algum projeto nas escolas, baseado nessa ideia dos esteriótipos criados a respeito das sociedades tradicionais? Acho que seria rica a contribuição que vocês poderiam deixar para os alunos, além de ser uma forma de levar a temática para fora dos muros da academia.
ResponderExcluirOlá, Aline Freitas!
ExcluirSim, existe essa possibilidade de construirmos um projeto, pois estamos em períodos de estágio e é uma excelente oportunidade de levar essa temática à sala de aula por meio de um projeto, e assim possibilitar aos alunos a desconstrução desse estereótipo relacionado as comunidades tradicionais, e ainda refletir sobre as diversas comunidades tradicionais de nosso estado que em grande medida estão fora dos livros didáticos.
Olá, Aline Freitas!
ExcluirSim, existe essa possibilidade de construirmos um projeto, pois estamos em períodos de estágio e é uma excelente oportunidade de levar essa temática à sala de aula por meio de um projeto, e assim possibilitar aos alunos a desconstrução desse estereótipo relacionado as comunidades tradicionais, e ainda refletir sobre as diversas comunidades tradicionais de nosso estado que em grande medida estão fora dos livros didáticos.
Obrigada!
Elbia Cunha de Souza.
Pergunta de Aline de Freitas Lemos Paranhos.
ExcluirAutoras, parabéns pelo texto! O final dele está muito emocionante, realmente temos um papel político muito importante na sala de aula para lutarmos ao lado das comunidades tradicionais.
ResponderExcluirApenas o que eu senti falta foi quanto a delimitar mais e exemplificar quem são os sujeitos que fazem parte desse grupo chamado de "comunidades tradicionais". Apenas a título de exemplificação, para além dos pequenos camponeses que retiram madeira, que outros grupos existem?
Obrigada desde de já, queridas.
Talita do Rosário.
Olá Talita.
ExcluirAgradecemos pelas contribuições, de fato em nossas análises com a documentação identificamos apenas os camponeses que de maneira direta estavam envolvidos na exploração de madeira de um determinado território, para além desse grupo as comunidades tradicionais presentes na Amazônia se constituem de indígenas, ribeirinhos , quilombolas, pequenos grupos que possuem modos de vida específicos e que compartilham de um território,o qual estão ligados inteiramente.
Entretanto como o trabalho se constituia identificar na documentação algum conflito envolvendo um desses grupos, atentamos para o conflito dos camponeses. Enfatizamos que temos um trabalho completo no qual aprofundamos melhor a discussão e que em breve será publicado.
Francicléia Ramos.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir