CARTOGRAFIA DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDIGENA: EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE

LARISSA RAFAELA PINHEIRO ALENCAR


Introdução

“A Cartografia apresenta-se como o conjunto de estudos e operações científicas, técnicas e artísticas que, tendo por base os resultados de observações diretas ou da análise de documentação, se voltam para a elaboração de mapas, cartas e outras formas de expressão ou representação de objetos, elementos, fenômenos e ambientes físicos e socioeconômicos, bem como a sua utilização”. (IBGE. Acesso em 25/05/19)

Como bem constatou FIGUEIREDO (2014, p. 1) o conceito de cartografia utilizado para a o Projeto de mesmo nome na EAUFPA é o estabelecido pela Associação Cartográfica Internacional (ACI) em 1966. O conceito cartográfico reitera o caráter das atividades práticas que geram um ambiente que permite a interdisciplinaridade, ensejando a interpretação dos vários elementos que evidenciem o multiculturalismo e a plurietnicidade.

O conhecimento aprofundado pelo projeto dá continuidade ao currículo traçado na Escola de Aplicação, posto que, um de seus maiores objetivos é superar a visão estereotipada e racista que faz parte de nossa cultura. Para tal, atrelou-se ao ensino outras novas metodologias didático-pedagógicas para que os alunos possam não apenas apreender, mas também produzir conhecimentos novos e desenvolver trabalhos de pesquisa e extensão que rompem as barreiras da sala de aula.

O Projeto Cartografia da Cultura Afro-Brasileira e Indígena tem por objetivo a educação para a diversidade, através da pedagogia decolonial e da interdisciplinaridade. Para alcançar esse fim, os alunos realizam, orientados por determinados professores, atividades e pesquisas bibliográficas e de campo ao longo do ano letivo. Destaca-se os momentos da excursão à Comunidade Quilombola de Jacaraquara; o dia da Consciência Negra, grande evento na EAUFPA; e o Forúm COPEX, geralmente realizado em dezembro.

O Projeto Cartografia está no seu oitavo ano de execução, neste ano de 2019 temos as seguintes disciplinas envolvidas com suas respectivas temáticas:

1)                Biologia: Click: Biologia e Multiculturalismo em Foco, do professor André Cunha

2)                História e Sociologia:
2.1.         Sociabilidade, Devoção e Resistência: o universo cultural entorno da igreja do Rosário dos homens pretos em Belém, das professoras Antônia Brioso, Júnia Vasconcelos e Rita de Cassia
2.2.         Diversidade Religiosa: conhecer pra não discriminar, dos professores Rodrigo Peixoto, Elis e Antônia Brioso

3)                Geografia e História: Memórias de Jacarequara: uma etno-história no interior da Amazônia, dos professores Daniel Barroso e Mario Benjamim

4)                Física: O som e seu significado na cultura indígena e afro- brasileira, do professor Ivan Neves


5)                Artes: Rejeito Bruto: ecologias experimentais entre feminismo e arte, do professor Breno Filo

São 6 grupos de estudos, divididos em 10 professores, em 5 áreas que trabalham de forma multidisciplinar.

Metodologia

Como o Projeto Cartografia da Cultura Afro-Brasileira e Indígena está vinculado ao ano letivo de 2019 da Escola de Aplicação da UFPA, foi decidido que o projeto funcionaria com programações condicionadas aos bimestres da referida escola.

No primeiro bimestre foi realizado a revisão bibliográfica, sessões de estudos pelos professores, monitores e bolsistas sobre a educação para as relações étnico-racial e planejamento dos temas a serem oferecidos ao alunado da escola. Vale destacar que a revisão bibliográfica perpassará em todas as etapas do projeto.

Tivemos ampla divulgação do projeto para o alunado do 2º Ano. Sendo em seguida apresentado a todos os alunos do 2º Ano da Escola de Aplicação, ação denominada de Lançamento do Projeto, um evento onde todos os professores integrantes participaram; lá eles demonstraram seus planejamentos e objetivos específicos para cada disciplina, ao mesmo tempo que não deixavam de considerar a interdisciplinaridade.

No auditório do ensino médio da EAUFPA, no dia 06/05/19, os 10 professores apresentaram seus temas e, com o auxílio de folders e slides, discorreram acerca de suas temáticas e metodologias de pesquisa. Após esse dia, iniciamos as inscrições dos alunos nos temas que eles escolheram. Ao total, tem-se em média 140 alunos inscritos. No ato da inscrição busca-se unir discentes de diferentes turmas nos projetos, potencializando as trocas de experiência.

Importante destacar que o Projeto Cartografia tem diminuindo os índices de retenção no ensino médio. Pois, os alunos integrantes, de acordo com sua participação nas atividades, podem conseguir até 2 pontos que são contabilizados como ponto extra na avaliação bimestral, válidos para todas as disciplinas que participam do Cartografia. Embora alguns professores não-integrantes do projeto também possam contabilizar esses pontos em sua prova, se assim desejarem.

No segundo bimestre, os alunos, organizados em equipes (de acordo com o tema escolhido na inscrição), passarão a ser orientados pelos professores das respectivas temáticas. Iniciando assim os grupos de estudos temáticos, realizado em turno contrário. Iniciaremos assim revisão bibliográfica, etapa na qual os alunos se subsidiarão teoricamente. As leituras serão indicadas pelo professor orientador e também a critério da equipe que deve produzir um texto, ficando livres para utilizar diferentes linguagens textuais. Acontecem nesse bimestre, oficinas temáticas de acordo com as pesquisas dos grupos de estudos.

No terceiro bimestre que esta por vir, as equipes serão orientadas para a pesquisa de campo: elaboração de roteiros de entrevistas e técnicas de coletas de dados. A partir disso, faremos a pesquisa de campo que será numa comunidade quilombola do Estado do Pará. Há três anos essa excursão vem acontecido na comunidade de Jacarequara, no Acará.

Na comunidade, os alunos devem realizar a pesquisa de campo de acordo com seus objetivos/temas pré-estabelecidos, os dados são coletados através de entrevista, principalmente. Mas os alunos também planejam brincadeiras e gincanas para as crianças da comunidade. Todos almoçam na comunidade, seguindo com as conversas, pesquisa e brincadeiras durante a tarde; após isto a vista de campo termina com um banho de igarapé entre os alunos.    

Os dados coletados na excursão à Jacarequara serão sistematizados no formato de texto, revista em quadrinho, jornalzinho ou blog. E os resultados parciais desses levantamentos serão expostos no Dia da Consciência Negra, o 20 de novembro. “O inventário do projeto demonstrou ainda que o Cartografia gestou uma “invenção da tradição” no espaço escolar da EAUFPA de celebrar a diversidade brasileira no Dia da Consciência Negra”. (BRIOSO, 2019, p. 3)

A comunidade escolar, estudantes universitários, professores de outras escolas e a comunidade ao redor da escola vem prestigiar O Dia da Consciência Negra na EAUFPA. Este é um dos principais eventos da escola. Não apenas o ensino médio participa, mas também o ensino fundamental I e II.

O 2 ano do ensino médio organiza as salas, enfeitando - as com temáticas africanas, criando gincanas, oficinas, exposições, interpretando músicas e, às vezes, interpretações teatrais. O Dia da Consciência Negra é o principal exemplo do esforço do Projeto Cartografia para com a aprendizagem e a afirmação identitária dos estudantes afrodescendentes, indígenas e mestiços.

Por fim, no quarto bimestre, as equipes devem sistematizar os dados coletados e socializá-los, de forma criativa e em diferentes linguagens, os resultados do trabalho de investigação. A socialização deve acontecer na Mostra científica- cultural das escolas onde o projeto acontece.

Os trabalhos finais são expostos em formato de painel, no mês de dezembro, no Fórum COPEX da EUAUPA. O evento é aberto a todos os acadêmicos que queiram submeter trabalhos; no entanto, é quase uma tradição que os trabalhos do Cartografia sejam expostos no referido evento.

Em janeiro, o projeto encerra oficialmente seu clico. Ciclo este que com certeza se reiniciara em 2020. 

Relato de Experiência

Iniciei meu trabalho de Extensão Universitária no Cartografia como bolsista do PIBEX-UFPA, no projeto “Cartografia da cultura afro-brasileira e indígena: uma experiência multidisciplinar no 2º Ano do Ensino Médio na EAUFPA” coordenado pelo Prof. Dr. Daniel Sousa Barroso. Sai da bolsa remunerada para participar do Programa Residência Pedagógica, fomentado pela Capes. Mas continuei no Projeto Cartografia como Bolsista Voluntária, ao qual permaneço até hoje.    

Em minha percepção o Projeto Cartografia tem a capacidade de mobilizar e unir a coordenação do ensino médio da EAUFPA, os alunos, professores, técnicos e acadêmicos em prol de um único objetivo: valorizar e fomentar a cultura Afro-Brasileira e Indígena. 

Por mais que a metodologia do Projeto, na divisão por bimestres, não sofra grandes alterações de um ano para outro, as experiencias vivenciadas em cada ciclo do Cartografia são únicas. Afinal, o material humano que compõe o projeto se renova a cada ano letivo.  

Há novos professores, novos temas, novos alunos e, às vezes, novos coordenadores. Alguns professores permanecem de um ciclo para outro. Em comparação ao ano letivo passado, cinco professores continuaram no Projeto em 2019. No caso, os professores André Cunha, Antônia Brioso, Daniel Barroso, Mario Benjamim, Breno Filo permaneceram. 

No ano de 2018, tínhamos 10 grupos, divididos em sete áreas de conhecimento, a saber:

1) Biologia:

1.1. Ecologia e Etnobotânica em Comunidades Quilombolas; coordenador: Ramon Araujo
1.2. Kizumba: Cultura afro-brasileira e indígena; coordenador: André Cunha

2) História:

2.1. O Canto negro pela liberdade – A “Black Music”; coordenadora: Antônia Brioso
2.2. Capoeira: A defesa do negro na Amazônia; coordenadora: Antônia Brioso
2.3. Escravidão negra na Amazônia: sociabilidades e resistências; coordenador: Daniel Barroso

3) Geografia: Quilombo: identidade, memória e resistência; coordenador: Mario Benjamim

4) Português: Palavra e discurso; coordenador: Milton luz

5) Matemática: Conexão matemática, arte e tecnologia; coordenador: Junior Neri

6) Artes: Aceitam-se rejeitos para a poesia; coordenador: Breno Filo

7) Literatura: Mulheres negras e indígenas: a diversidade de vozes na literatura brasileira; coordenador: Elizier Santos

Os grupos de 2019 já foram expostos no inicio do texto.

Pode-se perceber que o Projeto é dinâmico, com rupturas e continuidades. Os alunos que passam para o terceiro ano do ensino médio, mas não desejam se distanciar do Cartografia, podem se inscrever como Monitores dos professores, auxiliando os alunos do 2 ano.

O Projeto Cartografia da Cultura Afro-Brasileira tem esse caráter de resgatar as raízes afro-indígenas dos alunos, empoderando-os.  Além de promover estudos e debates acadêmicos acerca do tema com o alunato e comunidade em geral.

Ressalto também o envolvimento do Projeto com a comunidade Quilombola de Jacarequara. Os grupos de alunos, professores e moradores da comunidade interagem entre si sem hierarquização institucional.  O contato com a comunidade quilombola é fomenta o caráter de extensão ao projeto.

Atualmente o Cartografia é coordenado pela Professora Msc. Antônia Maria Brioso, criadora do Projeto. O “Cartografia da cultura afro-brasileira e indígena: uma experiência de educação intercultural do ensino médio da EAUFPA da 2° série” foi aprovado pelo Programa PIBEX-UFPA neste ano de 2019. Atualmente, o Projeto conta com um Bolsista de Psicologia e comigo como Bolsista Voluntária. 

Resultados acadêmicos

A Professora Msc. Antônia Brioso defendeu sua dissertação do Mestrado Profissional de Ensino de História da UFPA do PROFHISTÓRIA no ano de 2018, demostrando em seu trabalho o Cartografia como produto educacional. O Cartografia foi tema de uma monografia em Sociologia no ano de 2015. E em breve será um capítulo de doutoramento em Artes Visuais.

Conclusão

O Projeto Cartografia possui uma metodologia alicerçada em quatro pilares que são “a interdisciplinaridade, a interculturalidade, um currículo de conhecimentos subalternizados pelo conhecimento oficial e a ludicidade” (BRIOSO, 2019, p. 5). Assim, o Projeto se instala na Escola de Aplicação da UFPA como uma experiência multidisciplinar e de extensão, capaz de proporcionar aos estudantes do ensino básico uma aprendizagem significativa acerca da educação étnico-racial e indígena, incentivando e reafirmando a identidade afro-indígena dos discentes.

Referências       

A autora é graduanda do 9° semestre de Historia-licenciatura da UFPA. Integrante do GP RUMA, Núcleo Gera e Casa Brasil-Africa. Possui experiência em ensino (Bolsa PIBID - CAPES), pesquisa (Bolsa PIBIC - CNPQ) e extensão (Bolsa PIBEX – PROEX/UFPA). Atualmente é Bolsista do Programa Residência Pedagógica da CAPES-UFPA. Pretende ingressar no PPHIST-UFPA. Email: alencar_rafaela@hotmail.com.  

É orientada pela professora Msc Antônia Brioso no âmbito da extensão; pelo professor Dr. Otaviano Vieira Junior no âmbito da pesquisa e pela professora Franciane Lacerda no âmbito do ensino. Agradece a CAPES, CNPQ e PROEX/UFPA.

Referências Bibliográficas

BRIOSO, Antônia Maria Rodrigues. Práticas e representações de educação intercultural na EAUFPA: a experiência do projeto cartografia da cultura afro-brasileira e indígena. In: 9 Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. 2019. Florianópolis – SC. Anais.... Universidade Federal de Florianópolis.
FIGUEIREDO, Evillys Martins de. Políticas de ação afirmativa – a experiência do projeto cartografia da cultura afro-brasileira e indígena no ensino médio da escola de aplicação da UFPA. Disponível:http://www.evento.ufal.br/anaisreaabanne/gts_download/_Evillys%20Martins%20de%20Figueiredo%20-%201020493%20-%203729%20-%20corrigido.pdf. Acessado em 30/05/19.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo, Paz e Terra, 1996.

10 comentários:

  1. Boa tarde Larissa.
    Um projeto excelente e importantíssimo, com grande relevância para a sociedade. Parabéns por sua explanação e divulgação, certamente um modelo a ser seguido. Minha pergunta é referente a divulgação dos resultados, no texto você fala que será divulgado em diversos formatos, na Mostra Científica e no Fórum COPEX da EUAUPA. A divulgação para o público externo será através de publicação digital ou impresso? Quais são os meios para alcançar o público externo de outros estados?

    Muito obrigado e parabéns.
    Rafael Noschang Buzzo

    ResponderExcluir
  2. Olá! Obrigada pelos elogios.
    A Mostra Científica no Fórum COPEX e o Dia da Consciência Negra ocorrem na Escola de Aplicação da UFPA. A maior divulgação realmente está na EAUFPA. Mas o dia do lançamento do Projeto cartografia é aberto ao publico, por exemplo.
    Para o publico externo mostramos os nossos trabalhos nas redes sociais, como o Facebook dos professores, principalmente. Também há os trabalhos apresentados em eventos científicos. E os artigos científicos publicados pelos coordenadores do Projeto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigado por sua resposta.
      Até breve,
      Rafael Noschang Buzzo

      Excluir
  3. Olá, Larissa. Bom dia! Meus parabéns pelo projeto. Infelizmente atualmente os debates sobre a cultura afro-brasileira e indígena tem dificuldade em ultrapassar os muros das universidades. São projetos como este que tornam-se imprescindível. Sucesso.

    Willys Soares da Silva

    ResponderExcluir
  4. Olá, boa noite! Parabéns pelo projeto. Nessa sua vivencia no ensimo médio, vc encontrou alguma barreira na aplicação do seu trabalho?

    Ayrton Costa da Silva.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim. Infelizmente alguns alunos às vezes veem o Cartografia como algo que valoriza "as religiões de demônios"

      Excluir
  5. Larissa me desculpe pelo ( vc), na verdade queria dizer "você", acabei errando.

    Ayrton Costa da Silva.

    ResponderExcluir
  6. Olá Larissa Rafaela!!!
    Muito bom o seu trabalho, muito bom o seu texto aqui apresentado. Um esforço árduo e profícuo. Não é fácil planejar e executar um trabalho desse porte em etapas (semestres)...Só quem já se arriscou a tal façanha sabe o quanto demanda esforço! Seu trabalho, caso tivesse apresentado alguns detalhes teóricos-metodológicos teria dado mais clareza a alguns aspectos importantes, tais como: Quando dizes que "no primeiro bimestre foi realizado a revisão bibliográfica, sessões de estudos pelos professores, monitores e bolsistas sobre a educação para as relações étnico-racial e planejamento dos temas a serem oferecidos ao alunado da escola".Eu perguntaria: Quais fontes bibliográficas serviram de base sobre a educação para as relações étnico-racial? E quais temas foram estudados e planejados? Quais as competências e habilidades foram adquiridas pelos educandos(as)? Talvez até colocaste isso espraiado no texto... Enfim, isso não invalida teu trabalho. Parabéns

    Por Jessé Gonçalves Cutrim

    ResponderExcluir