CORREIO DO POVO: MODERNIZAÇÃO, ASCENSÃO E QUEDA DO JORNALISMO GAÚCHO


Pablo Rodrigo Barreto Coelho

Introdução

Para se compreender as ações que levaram a constante atualização e modernização da empresa jornalística da família Caldas o trabalho baseou-se em uma abordagem de natureza básica e de uma produção direta de conteúdo sobre o tema, caminhando pela história de Caldas Júnior até a venda do jornal por Breno Caldas. O procedimento utilizado foi de revisão bibliográfica e análise documental das fontes, buscando apoio em autores como Juremir Machado e o próprio Breno Caldas, através do livro “Meio Século de Correio do Povo”.

O(S) HOMEM(S) POR TRÁS DO CORREIO

O jornal Correio do Povo nasce por iniciativa de Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior (1868 – 1913). Caldas Júnior já vem ao mundo em um ano emblemático, os 60 anos da chegada da família real no Brasil, consequentemente, sessenta anos do surgimento da imprensa no país. Com origem familiar em Sergipe, sua família mudou-se para Santo Antônio da Patrulha, no Rio Grande do Sul, quando ele possuía apenas quatro anos de idade, no ano de 1872.

“Após passar pelo Jornal do Comércio, Caldas Júnior, em 1895, funda o Correio do povo, com auxílio de José Paulino de Azurenha e Mário Motta. Estes dois parceiros eram respectivamente “um negro porto-alegrense, de 34 anos com experiência de gráfico e redator no Jornal do Comércio, e um branco, também poeta, de 21 anos de idade [...]” (MACHADO, 2015).

Ou seja, não foi uma empreitada solitária, foi muito além. Caldas Júnior desenvolveu um grupo heterogêneo, alvo de preconceitos, tendo em vista um grupo formado por um nordestino e um negro. Juremir Machado, autor de uma obra sobre a primeira semana do jornal descreve o seu surgimento:

“O Correio do Povo veio à luz, numa terça-feira, com quatro páginas, como era comum, de 39 por 56 centímetros, divididas em seis colunas, impresso, em papel importado da Europa, numa modesta máquina Alauzet, com redação na Rua dos Andradas, 132, e uma tiragem de dois mil exemplares [...]” (MACHADO, 2015, pg 34)

O contexto político era delicado e entre chimangos e maragatos, Caldas Júnior optou pela fuga de um posicionamento político, esse era o tom do jornal que não se interessava pelas lutas partidárias ou panfletistas.

Morre Júnior, espera-se por Caldas

Com a morte de Caldas Júnior, o empreendimento passou para as mãos do seu primogênito, Fernando Caldas, contudo, em 1929, Fernando deixa a direção do jornal, momento em que Breno Caldas começa a percorrer desde baixo a trilha para a direção do jornal (STRELOW, 2010). Os ventos só soprariam em favor do Correio quando Breno ocupasse o cargo mais alto da empresa.

Passando por um período de crise financeira, até sua colocação como um dos maiores jornais do país, o Correio do Povo, bem como a Rádio e Televisão Guaíba encontraram um fim. A falência do grupo ocorreu durante o controle de Breno Caldas, onde após uma série de tentativas frustradas os custos e gastos tornaram inviável a manutenção do jornal.

A VISÃO DE BRENO

Modernização, delegação de poder e política, esses são os pontos que Breno Caldas aponta para explicar o fim do grupo. Contudo, como o sexto homem mais rico do Brasil, segundo uma reportagem paulista (CALDAS, 1987) conseguiu ruir com um império jornalístico de tal grandeza?

O papel do Jornal

Algo que entra em contraste com o passado narrado por Juremir Machado quando ele descreve o surgimento e o primeiro dia do Correio do Povo é o império que este se torna em meados de 1970 em contraste com a empresa (relativamente) modesta, contudo promissora do início do século.

Caldas recorda uma visão. Ao ver a grande maioria de seus funcionários com familiares reunidos, “Estavam lá 8 mil pessoas que de certa forma dependiam de mim.” (CALDAS, 1987) ao comentar uma confraternização realizada à 1975.  A visão de Breno era a de responsabilidade. A de Caldas Júnior também era, mas podemos ver que a relação de Caldas Júnior com seus outros dois colegas de empreitada em muito difere (ao menos na questão numérica) do sentimento de Breno. Fator numérico esse que somente em funcionários se sobrepõe gigantescamente sobre o número inicial de exemplares vendidos.

Partindo da primeira tiragem de dois mil unidades o Correio do Povo chegou ao teto de 93 mil assinaturas. É claro, devemos ponderar a diferença entre os tempos, as transformações que ampliaram o número de leitores e demais transformações, contudo, o número bruto é de 93 mil exemplares referidos a assinantes, esse montante não engloba os jornais vendidos avulsos.

E ainda temos as instalações, prédios e equipamentos que sempre se manteram no mais alto nível tecnológico é o caso da reunião da American National Publishers Association, evento estadunidense ocorrido no ano de 1977, onde Breno foi buscar tecnologia e a mais moderna aparelhagem para o Correio do Povo. Nesse momento Breno queria atualizar o seu maquinário, encontrava a possibilidade de substituir o serviço de composição por linotipo por um método eletrônico, uso de salas com computadores e demais avanços. Faz-se inegável a relação entre o Correio do Povo com a própria modernização do jornalismo gaúcho.

Percebemos que a aspiração da família Caldas em manter a excelência na produção está marcada na própria essência familiar, primeiro foi em 1910 com Caldas Júnior. Sob sua direção, montou-se no Estado a primeira impressora rotativa, um grande avanço que permitia a impressão de até dez mil exemplares por hora, para poucos anos depois, ser implantado o sistema de linotipos, onde a composição das partes metálicas que serão usadas para a produção das linhas e páginas são completamente revolucionarias (FONSECA 2008)

Logicamente, essas transformações só seriam possíveis no contexto histórico vivido por Caldas Junior, a conhecida terceira revolução industrial. Ainda segundo Fonseca:

“Durante o século XIX o aprimoramento das técnicas de impressão, a evolução dos meios de comunicação, de transporte e a ampliação do público leitor com a difusão da alfabetização contribuíram para o aumento da produção de periódicos.  Foram importantíssimas, para a constituição da indústria gráfica, invenções como a prensa cilíndrica, a  rotativa, o  linotipo,  a  estereotipia,  a fotografia,  e  também  a  modernização  nas  comunicações  através  das  agências telegráficas  de  notícias. Há que ressaltar que esse processo funcionou com efeito cumulativo: o aumento do consumo de  jornais  contribuiu  para  o  aumento  do capital  das  empresas  jornalistas  e,  com  isso,  elas  investiram  na  pesquisa  de tecnologias  que  aumentassem  a  tiragem  e  reduzissem  o  tempo  de  produção  sem que os custos operacionais fossem muito onerados.” (FONSECA, 2008, pg. 61)

Ou seja, Caldas Júnior buscou se manter com um alto nível competitivo, com Breno não foi diferente. O desponte de uma modernização ao horizonte é uma marca do século XIX e XX. Uma marca entre Caldas pai e filho.

Entretanto, as transformações em sociedades em desenvolvimento (ou em setores em expansão) não param tão facilmente. É o caso das mudanças nas interações sociais e nas relações de convívio entre as pessoas. Os hábitos se adaptam as mudanças, mas não deixam de existir em sua essência.

A sociedade gaúcha, em especial a porto-alegrense entrou em um processo de modernização muito forte em meados dos anos 1950. Essa modernização é entendida e observada em diferentes pontos entre eles a urbanização, questões sociais e a industrialização (D’Avila, 2002). Com a modernização do Brasil no pós II Guerra Mundial o país passa por um processo de urbanização, aumentando assim a quantidade de pessoas que buscam uma alternativa à vida do campo, engrossando dessa forma as fileiras de trabalhadores industriais.  Como já referenciado anteriormente, o Correio do Povo era um desses pontos modernizadores, era uma empresa jornalística, uma indústria de notícias que absorvia uma parte de trabalhadores nas mais diferentes funções, editores, motoristas, distribuidores, trabalhadores do galpão e do escritório e etc.

A VIDA, RÁDIO E A TELEVISÃO

A vida é pautada por questões do cotidiano e dentre as atividades mais populares e corriqueiras de entretenimento temos o convívio dos vizinhos e as conversas às portas das casas e nas calçadas. Porém, com a forte urbanização e modernização do estilo de vida, as ruas e calçadas que outrora eram o palco do convívio social entre os adultos e o espaço de interação infantil acabam cedendo espaço aos automóveis, às multidões e perdem a sua calmaria, as interações e troca de informações acabam se adaptando as circunstancias.

Na vida

Devemos ter em mente que por mais dificultosa que possam se tornar as formas de interação elas não vão se desfazer, apenas se adaptarem, assim, temos as alternativas que cada vez vão receber mais público, o rádio e a televisão. É a modernização no campo pessoal e cultural. Pode-se tratar de uma transformação que é um reflexo de um quadro maior, ela não é pensada e buscada pelas pessoas, contudo, ela é uma consequência (D’Avila, 2002). Ainda para D’Avila:

“Consideramos o lazer como a utilização de um tempo livre das atividades institucionais para a realização de tarefas que envolvam prazer físico ou mental. A dinâmica do lazer pode expressar-se em vários momentos. [...] Nas praças e nos cafés, após cumprirem suas tarefas diárias, variados grupos de porto-alegrnses reuniam-se para fazer o que gostavam.“ (D’Avila,2002, pg 34)
        
Porém essa realidade já estava sofrendo uma transformação. A especulação imobiliária “destrói” os elementos naturais da cidade, acaba com seus espaços livres e de convívio . Coloca-se “na verdade, essa especulação está dentro de um processo maior de mudanças da modernidade, onde as formas arquitetônicas e urbanas dificultam ainda mais a articulação entre o público e o privado”, vemos aqui a linha entre o público e o privado como o lazer privado das pessoas sendo realizado em locais públicos.

Ao mesmo tempo em que vão desaparecendo antigos pontos de encontro, de lazer, outras formas de diversão vão aparecendo ou enraizando-se. O rádio vive uma fase áurea, apresentando programas como novelas e musicais. Ele possui aspectos ligados a um velho padrão de cultura. Sendo apenas auditivo, prima pelo uso da imaginação. Esse pensamento que liga a imaginação com o entretenimento é, como diz o excerto acima, uma ligação com as antigas rodas de conversa, onde a imaginada dava cor e vida ao que era narrado.

É nesse contexto pós II Guerra Mundial de transformações que no ano de 1957 surge a Rádio Guaíba, a modernização da noticia e da informação. Agora não mais se viva com tanta frequência a vida compartilhada com os vizinhos, a relação entre noticia e entretenimento com as pessoas mudara, era um produto a ser oferecido.

A sua idealização era voltada a uma programação de grande qualidade, que deveria fugir dos modismos e vulgaridades da época (CALDAS, 1987). A rádio para Breno Caldas era de uma relação quase pessoal “Sim... Pelo menos junto ao público que eu desejava atingir! O que eu queria fazer... a minha fórmula era fazer uma estação de rádio que eu pudesse ouvir! Uma rádio que eu tivesse prazer em ouvir.”, ele continua quando mostra a sua aversão a uma midiatização medíocre:

“Eu não queria nada disso. Queria uma coisa que ficasse, uma espécie de Correio do Povo no ar... Uma forma de veicular publicidade discreta, que tivesse bons anunciantes... Não se aceitavam anúncios escandalosos, não havia jingles, que era para não nivelar com os outros nesse terreno. Na guaíba, a propaganda era lida por locutores de muito boa voz que eram selecionados”.(CALDAS, 1987, pg 68)

Contudo, nesse mundo de constante cambio e de avanços jornalísticos, Caldas encontra uma nova empreitada, a televisão. Criar uma televisão era algo que o próprio Breno admite ser difícil, caro e arriscado. É com o surgimento da Televisão Guaíba que os problemas reais começam a afetar as empresas da família. A “rádio com imagens”, como Breno chama, deveria ser uma extensão do Correio do Povo, assim como era a ideia em relação a Rádio Guaíba. Porém, esse afã pela televisão, por mais um empreendimento era realmente necessário? “Algumas coisas que não precisavam ser feitas, foram feitas, com custos altíssimos. A TV Guaíba foi uma delas. A TV desequilibrou a empresa.”, comenta Breno, que continua, “Eu tinha uma experiência vitoriosa com a em rádio [...], achei que também seria fácil me sair bem com a TV.” (CALDAS, pg.31, 1987).

Talvez, ao criar a sua própria televisão, Breno tenha tentado à frente em uma época que se fazia propicio esse tipo de atividade. Em especifico, nos anos 1950, 1960, o Brasil passa pela importação da cultura estadunidense, é a explosão da cinematografia, da música e do american way of life. Assim:

“Quanto ao cinema, além de ter sido a grande diversão da época foi um propagador dos novos padrões culturais americanos, através da tela, entrava-se em contato com o “novo mundo” [...]” (D’Avila, pg 80, 2002)

Assim, em 1979, nasce a Televisão Guaíba, destinada a ser um sucesso. Deveriam ser traçados paralelos entre televisão, rádio e jornal. É nesse momento que o império da família Caldas começa a ruir.

A implantação da televisão se dá ao mesmo tempo em que Breno Caldas está atualizando as instalações e maquinário do Correio do Povo. As despesas começam a ficar delicas bem como a situação econômica e política do Brasil que passa por ajustes na moeda.

Se o tamanho do Correio do Povo, com seus “oito mil dependentes” já era algo delicado para Breno lidar, como ele trataria o aumento de pessoal com a rádio e a televisão. Como já vimos, Breno mantinha um caráter centralizador de poder, estava sempre no comando de todas as ações e se botava no cargo de responsável por tudo que poderia acontecer com relação aos seus negócios, “A questão é que um jornal precisa ter direção única, uma orientação unificada e bem definida. Alguém tem que ter a última palavra.”, era assim que Breno pensava, e teria lidado com a Televisão Guaíba, contudo com o crescimento da empresa ele se viu obrigado  delegar funções, a esperar por setores e pessoas para por em prática suas ordens e as necessidades da empresa.

Assim, para Breno, a combinação de inexperiência, descentralização de poder e gastos econômicos foram as marcas do fim do Correio do Povo, da Rádio e Televisão Guaíba. A venda das empresas se deu em 1984 para Renato Bastos Ribeiro. Hoje em dia o jornal Correio do Povo e a Rádio Guaíba são propriedades do Grupo Record, tendo a Televisão Guaíba cedido espaço para a Televisão Record.

Ainda nos dias de hoje, o jornal Correio do Povo e a Rádio Guaíba buscam sua modernização. A transformação cultural proporcionada pelos novos hábitos, como o uso dos smartphones, fez com que esses veículos sejam acessíveis através de plataformas digitais, como os aplicativos para celular e cópias digitais para assinantes do jornal.

Conclusão

Nesse trabalho, apontam-se as relações do jornal Correio do Povo, Rádio Guaíba e Televisão Guaíba com o seu tempo histórico. Buscamos entender o contexto de surgimento e desenvolvimento destas empresas através do recorte temporal e cultural, tendo como pano de fundo Caldas Júnior e Breno Caldas.

Passando pela terceira revolução industrial, período que proporcionou o avanço tecnológico do grupo e a onda de modernização industrial/urbana que alterou as formas de convívio entre as pessoas, estas, que se tornaram público consumidor de uma cultura de massa.

REFERÊNCIAS:

Pablo Rodrigo Barreto Coelho: Especialização em Ciência da Religião (FAVENI); Graduado em História pela FAPA – Faculdade Porto-Alegrense; Membro fundador do GAP (Grupo Autônomo de Pesquisa) - Sair da Grande Noite. https://sairdagrandenoite.com/ ; Lattes: http://lattes.cnpq.br/7732722572974282
         
CALDAS, Breno; MACHADO, José Antonio Pinheiro. Meio Século de Correio do Povo: Glória e agonia de um grande jornal. Porto Alegre: L&pm Editores, 1987.
D’Avila, Naida Lena Menezes. NA TRAJETÓRIA DA MODERNIDADE: O lazer e a moral nos anos 50 em Porto Alegre. In: KRAWCZYK, Flávio(org.). Da Necessidade do Moderno: O futuro da Porto Alegre do século passado. Porto Alegre: Unidade Editorial, 2002. P. 69-93.
FONSECA, Letícia Pedruce. A Construção visual do Jornal do Brasil na primeira metade do século XX. 2008. 214 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Artes & Design, Departamento de Artes & Design, Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=11855@1>. Acesso em: 24 jun. 2018.
SILVA, Juremir Machado da. CORREIO DO POVO: A primeira semana de um jornal sentenário. Porto Alegre: Editora Sulina, 2015.
STRELOW, Aline. Breno Caldas: Poder e declínio de um dos mais influentes jornalistas gaúchos. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-imprensa-strelow.pdf>. Acesso em 24 jun. 2018

Nenhum comentário:

Postar um comentário