O PENSAMENTO DE POLÍTICA EXTERNA DE RIO BRANCO ANTES DE SER BARÃO

Danilo Sorato Oliveira Moreira

Este ensaio pretende fazer dar continuidade a pesquisa acerca do pensamento político de Rio Branco na segunda metade do século XIX, antes da sua titulação nobiliárquica de Barão, e no momento em que exerce a função de jornalista no periódico A Nação entre as décadas de 1860 a 1870. Para tal, de forma metodológica, são analisadas a fonte primária do periódico citado em julho de 1872, da mesma forma que consultado a literatura especializada. Portanto, a finalidade desse texto é analisar os artigos de política externa do personagem citado, com foco na Questão Argentina, a fim de compreender como pensa a inserção internacional brasileira no período imperial delimitado acima.

Nesse ensaio a história política e intelectual é fundamental para a compreensão do pensamento de Rio Branco Junior. Como defende René Remond (1996) a política é um campo importante de análise enquanto objeto de estudo. Da mesma forma, Marieta Ferreira (1992) reconhece que a história política renovada é um espaço em que os historiadores podem retomar os estudos sobre o político, ainda que com grande desconfiança por parte de outros campos de saber.

O debate acerca da figura de Rio Branco na historiografia, como aponta Moreira (2019), caracteriza-se pelo seu pensamento de política externa a partir dos anos de 1890, quando é condecorado com o título nobiliárquico de Barão pelo Imperador D. Pedro II. A atuação como advogado nos casos de fronteira com a Argentina (1885) e França (1900), rendem-lhe méritos para que fosse considerado a pessoa mais indicada para assumir o Ministério das Relações Exteriores em 1902. Essa é uma perspectiva defendida tanto por Ricupero (2013), quanto por Santiago (2014), ao defender o olhar mágico e mitológico sobre o “maior chanceler” do país.

As outras facetas de Rio Branco são pouco debatidas pela bibliografia especializada, especialmente as suas atuações como deputado estadual pelo Mato Grosso e jornalista do A Nação na década de 1870. A estudiosa Henrich (2009, p. 5) discute a sua atuação no citado periódico ao dizer que

“Já como Deputado Estadual, em 1872, começa a escrever naquele que ficou conhecido como o órgão oficial do Partido Conservador e defensor das políticas do Gabinete Rio Branco, o jornal A Nação.  Nele escreveu desde sua primeira edição e logo passou a dividir com Gusmão Lobo a responsabilidade pela redação, sendo sua atribuição geralmente a elaboração do editorial. Era, por exemplo, neste espaço e também em vários artigos sob pseudônimo que defendia ardorosamente a Lei do Ventre Livre, proposta por seu pai, o Visconde de Rio Branco.” (HEINRICH, 2009, p. 5)

A defesa das ideias do pai e de seu gabinete nos anos de 1870 é uma característica a ser destacada, já que envolve uma série de ideias políticas do período. Como exemplifica, a atuação em causas como A Lei do Ventre Livre, grande debate nacional da escravidão, aponta para a sua mente mais vinculada ao pensamento conservador. Ao analisarmos a edição n. 1, de julho de 1872, do A Nação, no editorial se percebe o seu objetivo quando diz o seguinte:

“[...] Eis a missão deste jornal. Arauto do progresso reflectido, que é a grande aspiração da nossa epocha, guarda das bem entendidas liberdades, da ordem social e das instituições juradas, a Nação aparece na imprensa diária como órgão do generoso partido, que extinguio o trafico de africanos, acabou com a tyrania de Rozas e Oribe, promoveu a livre navegação do Prata e seus affluentes, fez sulcar pelo vapor as aguas do majestoso Amazonas até o Perú, traçou as primeiras linhas da rede de estradas de ferro que ha de ligar um dia os quatro angulos do Imperio, fundou o credito publico, reorganizou o exercito e a armada, pôz termo com honra e gloria á guerra do Paraguay, decretou a reforma judiciaria, e escreveu a sua bandeira a santa legenda de 28 de setembro de 1871; do partido, enfim, que sustentou sempre a monarchia constitucional representativa, associando as recordações de sua passagem pelo poder a idéa dos grandes melhoramentos politicos e administrativos, que hão feito à felicidade do Brazil.” (Grifo nosso, A Nação, 1872, p. 1)

Nesse espaço, os editores consideram-se como defensores do Partido Conservador e sua atuação política no Império do Brasil. Eles destacam os feitos políticos como o fim do tráfico de escravos, a vitória do Rio da Prata e a atuação brasileira Guerra do Paraguai.

Entretanto, não é consenso que Rio Branco fosse editor do periódico A Nação, pois existem alguns trabalhos especializados que defendem a sua posição enquanto analista de política externa do Brasil. Como defende Saiani (2018, p. 56) ao defender o papel histórico de Rio Branco como publicista entre os anos de 1889-1912, nos seus caminhos iniciais como jornalista ainda nos anos de 1870, o autor aponta que ele atuava com os artigos de fundo e de política externa, enquanto que Gusmão Lobo assina os assuntos de política interna. Assim, a partir dessa perspectiva mais recente, esse ensaio pretende analisar os artigos de política externa de Rio Branco no periódico A Nação no ano de 1872, especialmente as primeiras edições.

Na edição de estreia em 3 de julho de 1872, são debatidas por Rio Branco os desdobramentos da Questão Argentina. Em sua análise da conjuntura é saudado a aliança entre o Brasil e a Argentina lograda com êxito na Guerra do Paraguai. Entretanto, ele chama atenção para:

“Prende a attenção publica uma questão de grave importancia a que não podemos ser indiferentes: a de nossas relações com a Republica Argentina, que tão estreitas foram durante a heroica luta que tivemos de sustentar com o dictador do Paraguay, e que, tanto se abalaram depois do arrogante procedimento que teve em Assumpção o plenipotenciario argentino Dr. Manuel Quintana.” (A NAÇÃO, 1872, p. 1)

Após a declarada vitória no Paraguai, Brasil e Argentina iniciaram negociações para alcançar bons resultados territoriais e vantagens sobre o Paraguai. O que está em jogo nessa disputa é a supremacia regional na Região do Rio da Prata. Então, Rio Branco, como defensor do gabinete de 1871 do Visconde de Rio Branco, utiliza o espaço jornalístico para apontar o negociante argentino como culpado de não haver avançado acordo entre os países.

Na mesma seção e edição, Rio Branco continua a defender os interesses do Partido Conservador. Quando aponta as dificuldades de negociação de paz pela postura do Ministro argentino “arrogante”, que inclusive lança uma nota em 27 de abril daquela ano defendendo a posição argentina. Sem chegar a um acordo de solução de controvérsias na reunião no Paraguai de forma conjunta, mas “não se pode ultimar em commum a negociação, e estaria ainda hoje o Brazil sem o tratado definitivo de paz se não usasse do direito de negocial-o separadamente com o vencido.” (A NAÇÃO, 1872, p. 1) A posição brasileira na negociação acaba gerando como consequência o protesto argentino, como apontado acima pelo Ministro.

O interessante vem mais a frente, quando Rio Branco coloca na nota algumas rivalidades de política interna acerca da Questão Argentina. Ele critica o jornal Diário do Rio de Janeiro pela sua postura “que não sacrificam as considerações de política Interna os interesses do Brazil no exterior.” (A NAÇÃO, 1872, p 1). Uma crítica desse periódico em relação a postura brasileira faz com que apareça a versão mais conservadora do articulista do periódico. Segundo ele, o “Irancudo redactor” faz “Seu ataque contra a supposta propaganda de guerra por parte do governo [...]”. Apesar de considerar o periódico rival como um dos baluartes na defesa das ideias conservadores, para Rio Branco é ”[...] folha conservadora, que tão implacável se mostra desde 22 de Maio contra o ministerio de 7 de Março [...]”, em outras palavras, a pretensa defesa do conservadorismo como ideia política, não diminui as críticas ao gabinete de 7 de março do pai de Rio Branco, o Visconde. Como responde Rio Branco na defesa das bandeiras e ações políticas do governo? Ele aponta qual a direção do Gabinete para o Prata e especificamente a Questão Argentina.

“Conhecendo toda a extensão de sua responsabilidade, e acompanhando o sentimento nacional, o gabinete mostra desejar sinceramente que se mantenha a paz, uma vez que não soffra a menor quebra a honra do Brazil, que todos os brasileiros sabem prezar, e defender á custa de quaisquer sacrifícios. Manifesta tambem o justificado empenho de afastar de si a responsabilidade pelas calamidades da guerra que não provoca; mas com igual firmeza patêntea a sua resolução de manter invioláveis os direitos e legitimos interesses do Imperio, ainda quando a perigosa politica do gabinete de Buenos-Ayres torne para esse fim impotente os meios pacificos.” (A NAÇÃO, 1872, p. 1)

Ao finalizar a nota de jornal, Rio Branco, demonstra mais uma vez qual a sua opção em relação a política externa do país para o Rio da Prata. A defesa das políticas do Gabinete de Março ficam claras ao argumentar os interesses brasileiros na “paz”. Ademais, aparece parte do seu pensamento político interno ao travar um conflito com outro periódico carioca, naquele caso específico crítico ao posicionamento brasileiro com a Argentina.

Após a primeira edição do periódico A Nação, no dia seguinte, mais um número estava pronto para os leitores. O jornalista Rio Branco, mais uma vez, escreve acerca da Questão Argentina discutida no dia anterior. Novamente, o editor defende a postura brasileira em negociar isoladamente com o Paraguai um acordo de paz, já que não foi possível chegar a bom termo na reunião entre os países envolvidos no conflito paraguaio. Diz Paranhos Júnior que:

“O governo brazileiro nunca desconheceu as obrigações que contrahio, e no despacho de 22 de Março expressamente declarou que o Brazil mantem os seus compromissos e está sempre prompto a entender-se com os seus aliados para a inteira execução dos empenhos communs. Se, pois, o plenipotenciario brazileiro não violou os tratados que celebrou com o Paraguay o pacto de alliança, como reconheceu o ministro argentino, e se o governo imperial offereceu todas as seguranças que exigio o Sr. Tejedor, com que direito o governo argentino reclama hoje contra os tratados que mereceram o seu assentimento?” (A NAÇÃO, 1872, p. 1)

A passagem se refere a justificativa de Rio Branco em defender o posicionamento do Gabinete de 22 de Março do seu pai. O detalhe é utilizar a argumentação do representante argentino contra o próprio, que em outro momento reconheceu o legitimo direito do Brasil negociar em separado com o Paraguai. Além disso, ele argumenta pela manutenção do pacto da tríplice aliança, mesmo que a negociação não tenha sido coletiva. Em verdade, o jornalista coloca a culpa na Argentina do fracasso do acerto conjunto, pois segundo ele:

“[...] a negociação comum mallogrou-se, não por culpa do Brazil que portou-se com toda a moderação, mas por culpa da Republica Argentina, que fez exigencias que não poderão ser aceitas pelo Paraguay.” (A NAÇÃO, 1872, p. 1)

No acordo com o Paraguai, diz Rio Branco que em 1º de maio de 1872, data do tratado entre as potências sul-americanas e o Paraguai, existem duas finalidades a serem perseguidas. Em primeiro lugar, a revanche contra Solano Lopez, algo efetivamente ocorrido com a sua morte ainda em 1870. E em segundo lugar, ajustar as pendências do conflito com o Paraguai. Mais uma vez, o jornalista defende a posição brasileira em negociar individualmente com o país derrotado na Guerra, já que não é possível um trato coletivo em virtude dos pedidos exagerados argentinos.    

Após não ter menções a Questão Argentina, na edição do A Nação de Sábado, número 4, aprece mais uma vez uma nota de Rio Branco sobre o tema. Dessa vez, é uma crítica direta ao jornal concorrente, A Reforma, no qual afirma o articulista:

“Como era de esperar, a resposta do governo imperial à nota do Sr. Tejedor, não agradou á Reforma. Mais energia na resposta teria feito do órgão democratico um advogado estremecido dos meios brandos e conciliatorios, senão um partidario decidido da paz; a prudencia e a louvavel conveniencia da bem pensada nota do governo, que não esqueceu o pundonor e os brios do imperio, fizeram-n’a por tal modo exigente, que a tornaram quase bellicosa. E’ sempre a mesma política! A oposição systematica é o norte da Reforma ; a contradição será sempre o resultado do seu procedimento. [...]” (A NAÇÃO, 1872, p. 1)

A defesa das ações do gabinete de Março são claras e nítidas nas palavras de Rio Branco. No último parágrafo da nota, ele propõe trazer uma série de documentos e artigos para comprovar que o posicionamento governamental está correto, ao contrário das críticas que foram tecidas pelo periódico rival, A Reforma.

A fim de concluir o ensaio, analisou-se o pensamento de política externa de Rio Branco nas folhas do periódico A Nação no ano de 1872. Pelo espaço do texto, optou-se por uma análise metodológica entre a fonte primária, com jornais do mês de julho do ano escolhido, e a discussão bibliográfica acerca do personagem político. Chega-se a ideia de que ele é responsável pelas colunas que analisam a relação do Brasil com o exterior, em especial no caso da Guerra do Paraguai e suas consequências com seus aliados como a Argentina. As matérias escolhidas apontam para uma defesa clara dos interesses do Gabinete de Março do Partido Conservador, ocupado pelo pai do jornalista, Visconde do Rio Branco. Além defesa da ação externa, nessas mesmas linhas são contestadas as visões dos jornais concorrentes tais como A Reforma e o Diário do Rio de Janeiro. A contestação ocorre, especialmente se não concordarem com o posicionamento brasileiro no Prata. Nesse momento, Rio Branco demonstra a sua profunda ligação as ideias e projetos conservadoras tanto em âmbito externo quanto interno, o que de certa forma dá margem para as interpretações da conexão umbilical e familiar entre o periódico e a agremiação política.

Referências

Mestre em Ensino de História (Universidade Federal do Amapá – UNIFAP). Graduado em História (Universidade Federal do Pará – UFPA).

A Nação, Anno I, Rio de Janeiro, Quarta-Feira, 3 de julho de 1872. n. 1.

A Nação, Anno I, Rio de Janeiro, Quinta-Feira, 4 de julho de 1872. n. 2.

A Nação, Anno I, Rio de Janeiro, Sábado, 6 de julho de 1872, n. 4.

FERREIRA, M.  A Nova “Velha História”: O Retorno da História Política. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992.

HENRICH, N. O Barão do rio Branco e a sua idéia de Brasil. In: SEMINÁRIO NACIONAL SOCIOLOGIA E POLÍTICA, 1., 2009, Curitiba. Anais... Curitiba: UFPR, 2009. p. 1-14. Disponível em: http://www.humanas.ufpr.br/site/evento/SociologiaPolitica/GTs-ONLINE/GT6%20online/EixoIII/barao-rio-branco-NathaliaHenrich.pdf. Acesso em: 29/04/2019.

MOREIRA, D. O pensamento político do Barão do Rio Branco e o Império do Brasil. In: NUNES, F; GUIMARÃES, A. (Orgs.). I Simpósio Online de História dos Ananins: ensino, pesquisa e extensão. Ananindeua [PA]: Cordovil E-books, 2019. p. 160-166.

RÉMOND, R. Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 1996.

RICUPERO, R. José Maria da Silva Paranhos Júnior (Barão do Rio Branco): A fundação da política exterior da República. In: PIMENTEL, J. (org.). Pensamento diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1964) – Vol. II. Brasília: FUNAG, 2013. p. 405-438. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=507. Acesso em: 29/04/2019.

SANTIAGO, E. A esfinge desvelada: O pensamento político do Barão do Rio Branco. In: ENCONTRO ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA CIÊNCIA POLÍTICA, 9., 2014, Brasília. Anais...Brasília: ABCP, 2014. p. 1-22. Disponível em: https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/03/esfinge-desvelada-pensamento-politico-barao-rio-branco-649.pdf. Acesso: 29/04/2019.

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