HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA: PERSPECTIVAS PARA O GOVERNO BOLSONARO

Danilo Sorato Oliveira Moreira
Tiago Luedy Silva

Este ensaio procura apontar a aderência entre a História e as Relações Internacionais, a partir de uma discussão acerca da História da Política Exterior do Brasil. Em seguida, ele aponta algumas perspectivas sobre o Governo Bolsonaro em termos de inserção internacional brasileira. Conclui-se que

A relação entre História e Relações Internacionais é muito próxima em termos de ciência. Desde 1919, com o surgimento da primeira cátedra de Relações Internacionais na Europa, utiliza-se o método histórico como suporte para a compreensão do principal objeto de estudo que é o sistema internacional. Dessa forma, é comum perceber em diversos cursos de graduação pelo Brasil, disciplinas como, História das Relações Internacionais, História da Política Exterior do Brasil ou História Econômica Brasileira.

No caso brasileiro, o primeiro curso de Relações Internacionais ocorreu nos anos de 1970 na Universidade de Brasília (UnB). Nesse espaço, surgem pesquisadores como Amado Cervo, Antônio Carlos Lessa, José Sombra Saraiva, como expoentes científicos na utilização da relação benéfica entre as duas ciências.

A história da Política Exterior do Brasil compreende a formação da inserção internacional brasileira desde pelo menos o período colonial até a contemporaneidade. Os pesquisadores Cervo e Bueno mostram como se comporta o Estado brasileiro em sua ação externa. Segundo eles (2002, p. 11), basicamente, o país se define no mundo da seguinte maneira:

“A política exterior correspondeu, nos últimos dois séculos, a um dos instrumentos com que os governos afetaram o destino de seus povos, mantendo a paz ou fazendo a guerra, administrando os conflitos ou a cooperação, estabelecendo resultados de crescimento e desenvolvimento ou de atraso e dependência. Na história do Brasil, após o rompimento com Portugal em 1822, a política exterior serviu internacionalmente à paz entre os povos, com exceção de um período nos meados do século XIX, entre 1850 e 1870. A capacidade do setor externo de subsidiar o crescimento e a autonomia socioeconômica do país não foi acionada, entretanto de forma estável.”  

Se o país não é afeito historicamente a conflitos provocados pela sua vontade de expansão ou interesse geopolítico, por outro lado a política externa não consegue ser um fator equilibrado de suporte para o desenvolvimento econômico e social brasileiro. Há momentos de inserção internacional mais proativa, como recentemente no período Lula (2003-2010), ou mais reativa, por exemplo nas gestões Dilma-Temer (2010-2018).

Se buscarmos definições de como o país vem participando no mundo, no século XX até o momento, pode-se dizer que existe uma busca pela autonomia, ao passo que em outros momentos existe um alinhamento para com alguma potência externa. Como aponta Pinheiro (2004, p. 7), a estratégia brasileira internacional, a grosso modo, no primeiro vetor buscou ampliar seus horizontes de poder, com a diversificação de parcerias pelos continentes, a tentativa de promoção do multilateralismo e organismos internacionais; na direção contrária, o segundo vetor marcou uma aproximação com as novas potências mundiais, a fim de que fosse forjado uma parceria profunda para ganhar benefícios e ganhos desse relacionamento. 

A recente Eleição presidencial brasileira deu como vencedor o candidato do PSL, Jair Bolsonaro. Desde a campanha eleitoral, a retórica para a Política Externa é pautada em transformar a ação internacional brasileira. Diz o ainda candidato (2018) que o Brasil vai acabar com a ideologia na Política Externa, apostar por parceiros ocidentais como EUA, Israel, Itália, e procurar captar investimentos e fazer acordos comerciais.

Com a posse em 1 de janeiro, o novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é escolhido para colocar em prática as ideias esboçadas na campanha eleitoral. A sua escolha se dá em virtude da sua proximidade com o filósofo, Olavo de Carvalho, além da atuação no setor do Itamaraty que cuida das relações com os Estados Unidos e Canadá. A partir da sua escolha, questiona-se a política externa de Bolsonaro muda tudo aquilo que estava? Ou mantém programas de continuidade com outras gestões?

Como aponta Sorato (2019a), ao analisar a gestão Bolsonaro e Temer, encontra-se em três partes da atuação brasileira muitas semelhanças. Nos programas de ideologização, comércio e segurança, os governos se aproximam com ações parecidas.

No aspecto da (des) ideologização, ambos os governos defendem que a Política Externa não pode ser feita com ideologia. Com Serra (2016), o primeiro Chanceler de Temer, inicia-se o deslocamento e distanciamento da Venezuela. A suspensão daquele país do MERCOSUL é fruto dessa iniciativa. Ela é mantida pelo sucessor no cargo, Aloysio Nunes, que amplia a aposta com a criação do Grupo de Lima em agosto de 2017. Nesse espaço em que 12 países do continente discutem a situação do governo Maduro é que o Chanceler de Bolsonaro consegue o não reconhecimento da nova administração venezuelana (2019-2025).

A ideia de ideologização inicia com Maurício Macri na Argentina em 2015, como diz Echaide (2016). Mas é um procedimento que todo formulador de política externa faz, pois necessita apontar um caminho a ser seguido, como defende o autor Mendes (2015). Portanto, a ideologia é uma marca de todos os gestores públicos de Política Externa, ainda que alguns defendam uma possível neutralidade. 

No aspecto comercial, as duas gestões defendem que a Política Exterior necessita captar investimentos e produzir acordos comerciais para a superação da crise econômica brasileira. Na gestão Temer, é assinado o acordo comercial com o Chile em novembro de 2018, além de acordos de facilitação de investimentos com Guyana, etc. Além disso, são articuladas negociações coletivas via MERCOSUL com Canadá, Coreia e EFTA. Essas negociações foram recentemente defendidas pelo atual Chanceler, Ernesto Araújo, na sua palestra no Conselho Argentino de Relações Internacionais (CARI), tal como defende Sorato (2019b).

Por fim, no aspecto de segurança, os dois governos defendem uma maior atividade de combate a crimes transnacionais e organizações criminosas na fronteira. Com Serra (2016), iniciou-se esse programa de Política Externa esquecido desde pelo menos os anos de 1990. Em Nunes (2017), as ações se ampliaram para a I Reunião de segurança nas fronteiras da América do Sul, ademais, da criação de um setor administrativo nas Embaixadas sul-americanas para tratar do assunto. Com Bolsonaro (2019), a perspectiva é continuar esse assunto como disse no Congresso Nacional em fevereiro, já que é uma plataforma de campanha, da mesma forma que determinadores atores internos (militares, juristas) defendem maior atuação nos limites brasileiros com os países vizinhos.

A fim de concluir o ensaio, apresentou-se a conexão da História com as Relações Internacionais em uma área especifica que é a História da Política Exterior. Nesse diálogo, percebeu-se que o Brasil em sua política externa costuma ser um país pacífico, ao passo que dividido entre a autonomia e o alinhamento durante o século XX. A partir disso, entendeu-se que o novo governo Bolsonaro apesar da promessa em ser uma administração de mudança, ao contrário, possui muitos elementos de continuidade para com a administração Temer (2016-2018). Especificamente, nos programas que versam sobre a ideia de ideologização, comércio e segurança nas fronteiras. As duas administrações coadunam discursos parecidos, ações e estratégias de atuação internacional similares, inclusive com a atual recebendo muitos dividendos do que foi feito pela anterior, como por exemplo, as negociações comerciais em aberto. 

Como último comentário, vale lembrar que a Política Externa é um campo em constante transformação especialmente pela crescente dialética com a conjuntura exterior. Portanto, a análise acerca do governo Bolsonaro, a priori, caracteriza-se pelos elementos de continuidade. Com o desenrolar do tempo, essa marca pode sofrer alterações.

Referências

Danilo Sorato
Professor no Ensino Básico. Mestre em Ensino de História (Universidade Federal do Amapá – UNIFAP). Graduado em História (Universidade Federal do Pará – UFPA).

Tiago Luedy
Professor Efetivo do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário da Bahia. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Coordenador do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Amapá. Diretor do Laboratório de Relações Internacionais e Geopolítica (LABRIGEO).

BOLSONARO, J. Plano de Governo - O Caminho da Prosperidade. Brasília: TSE, 2018. Disponível em: http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517//proposta_1534284632231.pdf. Acesso em: 05/05/2019. 

BOLSONARO, J. Mensagem ao Congresso Nacional, 2019: 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura. Brasília: Presidência da República, 2019. Disponível em: http://www.casacivil.gov.br/central-de-conteudos/downloads/mensagem-ao-congresso-2019/. Acesso em: 05/05/2019.

CERVO, A; BUENO. C. História da política exterior do Brasil. Brasília: Editora da UnB, 2002.

ECHAIDE, J. Desideologización? La política exterior macrista desde uma visión critíca del análisis económico del derecho. In: VIII Congreso de Relaciones Internacionales, Instituto de Relaciones Internacionales, Universidade Nacional de La Plata, 2016. p. 1-18.   

FERREIRA, M.  A Nova “Velha História”: O Retorno da História Política. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992.

MENDES, P. A raiz e o fruto na análise da política externa. Relações Internacionais, Lisboa, n. 16, dez./ 2015, p. 129-144. Disponível em: http://www.ipri.pt/images/publicacoes/revista_ri/pdf/ri16/RI16_10PEMendes.pdf. Acesso em: 10/05/2019.

NUNES, A. Texto-base para o discurso de posse do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira – Palácio Itamaraty, 7 de março de 2017. Publicado em 07 de março de 2017. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/15829-texto-base-para-o-discurso-de-posse-do-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores-aloysio-nunes-ferreira-palacio-itamaraty-7-de-marco-de-2017. Acesso em: 05/05/2019.
PINHEIRO, L. Política Externa Brasileira (1889-2002). Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

SERRA, J. Discurso do ministro José Serra por ocasião da transmissão do cargo de ministro de estado das Relações Exteriores. Publicado em 18 de maio de 2016. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-das-relacoes-exteriores-discursos/14038-discurso-do-ministro-jose-serra-por-ocasiao-da-cerimonia-de-transmissao-do-cargo-de-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores-brasilia-18-de-maio-de-2016. Acesso em: 05/05/2019.

SORATO, D. Uma análise de política externa brasileira: A continuidade dos governos Temer e Bolsonaro. 2019a. Monografia (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade Federal do Amapá, Macapá, não publicado [no prelo].

SORATO, D. La nueva política externa brasileña: mudanças ou permanências?. Publicado em 06 de maio de 2019b. Disponível em: https://www.academia.edu/39019822/LA_NUEVA_POL%C3%8DTICA_EXTERNA_BRASILE%C3%91A_MUDAN%C3%87AS_OU_PERMAN%C3%8ANCIAS_THE_NEW_BRAZILIAN_EXTERNAL_POLICY_CHANGES_OR_PERMANENCES_LA_NUEVA_POL%C3%8DTICA_EXTERNA_BRASILE%C3%91A_MUDAN%C3%87AS_OU_PERMAN%C3%8ANCIAS_THE_NEW_BRAZILIAN_EXTERNAL_POLICY_CHANGES_OR_PERMANENCES Acesso em: 06/05/2019.

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