“CONFLITOS E PODER”: AS DENÚNCIAS DOS MORADORES CONTRA OUVIDOR JOÃO MENDES DE ARAGÃO NO GRÃO PARÁ E MARANHÃO NO SÉCULO XVII E XVIII


Ayrton Costa da Silva.
Orientador: Dr. Eloy Barbosa de Abreu.



O presente trabalho é parte integrante do projeto intitulado “As dimensões do poder local e conflitos de jurisdição na trajetória de João Mendes de Aragão no cargo de ouvidor geral do grão Pará e Maranhão nos séculos XVII e XVIII”, visando fazer uma discussão sobre as questões do poder judicial e administrativo no território das cidades de Belém-PA e São Luís-MA. Desse modo, deve ser ressaltado o papel da câmara que “[...] esteve atrelada às atividades de conquista, defesa e organização do território, com a intenção de consolidar o domínio luso-imperial” (CORRÊA, 2016, p. 63). O objetivo não é se atentar para os processos de conflitos entre os indígenas e colonos, mas sim para com as medidas administrativas e judiciais que foram sendo implantadas no território.

“A aplicação da justiça, desde os primórdios da colonização portuguesa na América, foi uma das preocupações essenciais da coroa. Fazer cumprir a lei, evitar abusos e crimes, garantir a ‘tranquilidade social’, tais são os propósitos do aparelho judicial em qualquer época” (SALGADO, 1986, p. 73).

As conquistas das terras longínquas no ultramar fez parte do projeto arquitetônico administrativos da coroa portuguesa. Portanto, trata-se especificamente da América do Norte, que é o foco da pesquisa. Os territórios do Grão Pará e Maranhão estavam atrelados a esse processo de organização. Após a expulsão dos franceses do território do Maranhão foi consolidada e instituída em 1621, a câmara como uma Instituição de controle organizacional dessa região. Fez com que ocorresse o povoamento do território com moradores, advindo de outras localidades, como Pernambuco.  Foram constantes as mudanças principalmente com implantação de cargos administrativos, ou seja, os funcionários do rei. E entre esses, o ouvidor, que era o homem responsável pela justiça na capitania, sua função era fiscalizar e fazer as correições, aplicar a lei e coibir fraude.

“[...] a lei portuguesa tornou-se a lei dos territórios que acabavam de ser incluídos em seus domínios, e ministros da justiça semelhantes aos de Portugal assumiram cargos nas colônias para aplicar a lei. as condições locais e as relações particulares da colônia com a coroa, entretanto, determinavam, em certa medida, a natureza da administração judicial”. (SCWARTZ, 2011, p.35).

Manter a tranquilidade no território era alguns dos objetivos da coroa portuguesa, através da lei, já que era símbolo de ordem e controle. Quando é que o ouvidor, um dos cargos mais elevado, torna-se motivos de denúncias e queixas dos moradores? As fraudes do ouvidor João Mendes de Aragão estavam ligadas ao seu interesse com o poder local e fizeram parte da sua rotina aonde acabou se envolvendo em vários conflitos com os próprios moradores, capitães e governador, fazendo com que seus vícios pelo poder e ganância gerasse abusos de poder, se vingando dos moradores da localidade de São Luís do Maranhão.

Os Males ou Franqueza de um Homem.

João Mendes de Aragão é formado pela Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito, logo, é um sujeito da elite que assumiu os cargos de Ouvidor e provedor da fazenda, que era a arrecadação de impostos para a Coroa. A trajetória que se tem notícia através das cartas disponíveis no Arquivo Histórico Ultramarino, consta a presença do ouvidor Aragão em Belém-PA, e posteriormente na região da cidade de São Luís- MA. Os conflitos foram constantes durante todo o seu percurso no território do Grão Pará e Maranhão.

“filho de Francisco de Aragão, João foi provido ao cargo de ouvidor geral e Provedor mor da Fazenda Real da Capitania do Pará em 20 de dezembro de 1710. [...] recebeu a mercê do rei D. João V logo após ter feito sua leitura de Bacharel no desembargo do Paço, em virtude da boa formação que havia feito na Universidade de Coimbra e também de forma como administrava a justiça” (ABREU, 2017, p. 135).

A sua atuação como ouvidor geral da cidade de Belém do Pará, responsável pela fiscalização, iniciou-se com a matéria de sonegação dos dízimos, Aragão detectou que os religiosos da cidade de Belém não pagavam dízimos para a Coroa Portuguesa, ocasionando assim enormes prejuízos. Apesar de fazer seu trabalho, considerado o homem da justiça dentro da capitania, acarretou em inúmeros descontentamentos entre o próprio ouvidor e os religiosos.

“Cristovão da Costa Freyre. [...] fazendo se me prezente os raros prejuízos q recebe a fazenda real [em] não pagarem dízimos as relligiões desse estado das fazendas que [possuem] fora dos dottes das suas creações adquiridas por compras heranças, e outros semelhantes títulos, e convirá averiguação desta matéria, por ser de tanta importância. Fuy servido mandar ordenar ao procurador de minha fazenda desse estado faça citar perante o provedor mor della aos religiosos que possuem terras, e [...] pagar delas dízimos, oferecendo Libello contra cada uma’ das taes relligiões”(AHU_ACL_CU_013, CX.6, D.464. (sic).

O início de seus trabalhos na capitania de Belém do Pará, ficou nítido as irregularidades que aconteciam, como exemplo, a sonegação de impostos conforme descrito no trecho acima.   Segundo Prado Junior. “O principal tributo é o dizimo, que constitui um antigo direito eclesiástico, cedido pela igreja nas conquistas portuguesas, à ordem de Cristo” (PRADO JR. 1961, p. 319). Isso ocasionava perda irreparável advindo das religiões. Mas os conflitos na região continuavam, analisando detalhadamente as cartas, Aragão tem um forte conflito com Capitão de Guerra João de Barros sobre a ocupação da presidência na ausência do Governador.

“Entre o capitão mor desta praça, João de Barros da Guerra, er Provedor da fazenda. João Mendes de Aragão, se tem oferecido [algumas] duvidas, querendo [ado] Provedor [...] presidir-nos [mos traz] na minha ausência, [e passar] as ordens para se fazerem as [despesas], nos serviço da [Vossa majestade] sem dependência do capitão mor, o que tudo e contra as ordens de majestade.”  (AHU_ACL_CU_013, CX. 6, D. 500.(sic))

A disputa pelo poder resultou em desânimos entre os próprios agentes administrativos, o capitão por defender o território e o provedor por preocupar-se em fazer as despesas das paradas militares. Já que o próprio governador, Cristovão da Costa Freire, estava ausente do seu cargo, e alguém tinha que sucedê-lo, isto é, o provedor da fazenda. No entanto, usufruir dessa posição fazia com que ele utilizar-se do abuso de poder. Diante desse fato, só aumentou as inimizades, entre Aragão e Capitão João Barros e além de outros motivos, fazendo com que fugisse para a cidade de São Luís do Maranhão devido as ameaças de morte.

“Que conservando se assim nesta boa [conformidade] por tempo de dois annos, no fim delles trouxe [ado] Governador consigo da [Cidade]  do Pará [para]  esta do Maranhão o baxarel João Mendes de Aragão, q avia acabado de servir o cargo de ouvidor [geral] na [Cidade] do Pará aonde pelas insolências q avia feito o intentavam matar, e [para] livrar da morte, e das [muitas]  descortesias de se lhe aviam de fazer, o trouxe como dito e, [dado] Governador [para] esta dita [Cidade].” (DOC. AHU_ACL_CU_009, Cx. 11, D.1159). (sic)

A vinda de Aragão, para a cidade de São Luís foi muito mais conturbada.  Hospedou-se na casa do ouvidor do Maranhão, aonde acabou sendo seu sucessor, é claro que em virtude da formação em direito que tinha começou advogar na cidade. Analisando as documentações com olhar mais atento, com ênfase para a rede de clientela que foi se formado, quem trouxe o ouvidor para São Luís do Maranhão foi o Governador.

“Que [ado] João Mendes sendo assim como he assessor, e em tudo director das obras [dado] Ouvidor, está advogando em [muitas] cauzas q correm perante o ouvidor sentenciados sempre a favor das suas [apelações] por [quem] Advoga, como aconteceu e nas causas de Carlos de Faria Machado com Manoel Frz’ de oliveira. Em sua mulher, e na causa de [Francisco de Andrade], preto com seu sogro Anastácio Dias, e uma’ do [tenente General] Custodio [Pereira] com o procurador da [Fazenda] Real, e em outras [muitas] de q há geral escândalo da republica”. (DOC. AHU_ACL_CU_009, Cx. 11, D.1159)(sic).

Enquanto advogado e sucessor do ouvidor do Maranhão, João Mendes causou enormes prejuízos aos próprios moradores de São Luís do Maranhão, onde prevaleciam suas reais intenções que fizeram de suas atitudes e práticas motivos de muitas queixas. Os interesses locais eram advindos de relações com alguns moradores que acabavam participando dessa natureza ilícita. Como advogado sempre agia em favor das suas apelações, que são pedidos para o que fosse favorável.

“Que de todos os articulados e [tem] escandalozos [procedimentos] [dado] Ouvidor he a principal origem [ado] Bacharel João Mendes de Aragão, Homem de maglino e perverso coração, a qual tem [ado] Ouvidor en sua caza por seu assessor, ele dirige todas as suas acçoes e despoziçoens, e despachos tendo na sua mão as [prisões], e solturas dos prezos, q [ado] João Mendes quer que se  soltem, se prendam, em tal [forma], que ainda que [ado] Ouvidor queria dar [alguns] bons despacho ou mandar soltar [alguns] prezo; [ado] João Mendes o reprende”. (DOC. AHU_ACL_CU_009, Cx. 11, D.1159) (sic)

O jogo de interesse e os desagrados causados pelo Aragão na cidade de São Luís do Maranhão ocasionaram as inimizades promovidas pelos os próprios moradores da localidade, que fizeram com que o governador do estado, Bernardo Pereira de Berredo, tomassem as devidas decisões. Após os vários atos cometidos pelo Aragão, abuso de poder, alianças com o próprio Ouvidor e provedor do Maranhão foram resultados de práticas inadequadas. Na citação acima, e mais um modelo da fragilidade desse agente judicial, já que soltura e prisão era só uma maneira de autoridade.

“[...] os irreparáveis danos, q da existência do bacharel João Mendes de Aragão [em] caza do [ouvidor Geral] Vicente Leite Ripado, se [ocasionavam] ameaçando mayores ruinas, contra a mayor [poder]. hoz moradores deste povo, com notória perturbaçao da tranquilidade; q antes da referida a [existência] se gozava, vingando suas próprias payxões com amas’ o cargos [dado][ouvidor]; foy preciso a este senado, movido dos clamores do povo recorrer [ado]. [Governador e Capitão Geral], como justo requerimento de cuja copia, que com esta será [presente]. a V. Magde. se manifestão os verdadeyros [fundamentos], e justificada razão de suas queixas. e por lhe constar  há [notoriedade ]. dellas, ainda [muito] a custa de sua própria experiência, o mandou retirar [para] a fortaleza do Rio Itapecuru [...]”(Doc. AHU_ACL_CU_009, Cx. 12, Doc.1236)(sic)

Portanto, as fortes alianças entre Aragão e outros funcionários do rei, ou seja, que também eram responsáveis pela justiça, estavam muito preso aos interesses.  Longo trecho transcrito anteriormente é um dos mecanismos do poder da justiça no território, pelo menos o projeto inicial da coroa portuguesa, manter a tranquilidade e a paz era um desses objetivos. Talvez a ausência da majestade na colônia, tenha ocasionado tantas práticas inadequadas. Embora Romeiro, menciona que:

 “A opção por privilegiar a questão da distância não é arbitrária nem fortuita. Ela apenas reflete uma tópica disseminada nos escritos que, a partir do século XVI, dedicam-se a esclarecer as implicações morais e políticas do governo da periferia, onde a distância tendia a favorecer o surgimento das práticas ilícitas, convertendo esses lugares em cenários de opressão e tirania” (ROMEIRO, 2017, p.37)

 Ao trata sobre a distância do rei nos territórios do ultramar, isso torna-se verídico, mas assim como havia sujeitos que cometia as práticas ilícitas, também havia o vassalo obediente. Mas a vinda de João Mendes de Aragão foi movida por fuga, as práticas de vinganças, poder e atos inadequados advindos do ouvidor geral, foram constantes no Maranhão colonial os abusos de poder, os escândalos na estrutura administrativos movidos pela ganância, fizeram deste sujeito protagonista de inúmeras queixas por parte dos moradores que moravam nas respectivas localidades. A rede de clientela também foram traços marcantes dentro desse sistema administrativo colonial e os interesses que estavam envolvidos.

REFERÊNCIAS.

Acadêmico do Centro de Estudos Superiores de Caxias-CESC/UEMA. Curso. História. O trabalho é fruto do projeto de pesquisa “AS TEIAS QUE A JUSTIÇA TECE: REDES DE OUVIDORES GERAIS E CONFLITOS SOCIAIS NO ESTADO COLONIAL DO MARANHÃO E GRÃO PARÁ (SÉC.XVII E XVIII)” sob orientação do professor Dr. Eloy Barbosa de Abreu, como fomento da Universidade Estadual do Maranhão. PIBIC/UEMA.

FONTES DIGITAIS.

CAPITULOS DE ACUSAÇÃO dos moradores da cidade de São Luís do maranhão contra o ouvidor geral da capitania do maranhão, Vicente Leite Ripado e o bacharel João Mendes de Aragão.
DOC. AHU_ACL_CU_009, Cx. 11, D.1159.

CARTA da câmara da cidade de São Luís do maranhão ao rei D. João V, sobre a perturbação provocada pelo bacharel João Mendes de Aragão.
Doc. AHU_ACL_CU_009, Cx. 12, Doc.1236

CARTA do [Governador e Capitão-general do Estado do Maranhão] Cristovão da Costa Freire, para o rei [D. João V], relatando as que nelas de competência e jurisdição existentes entre o capitão-mor da capitania do Pará, João de Barros Guerra, e o provedor da fazenda real do Pará, João Mendes de Aragão, quanto a ocupação da presidência das paradas militares na ausência do Governador.
AHU_ACL_CU_013, Cx. 6, D. 500.

LIVROS, TESES.

ABREU, Eloy Barbosa. Gregório de Andrade da Fonseca: Judeu sutil ou Santo Beato? Trajetórias, conflitos e redes sociais no mundo Atlântico. Tese de doutorado apresentada como requisito obrigatório para obtenção de titulo de doutor em história, na área de história do Norte e Nordeste do’ Brasil, ao programa de pós- graduação em história da Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2017.

CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. Vínculos entre a câmara de São Luís do Maranhão e a politica luso-imperial da conquista do espaço p. 61-78. In: CHAMBOULEYRON, Rafael. JUNIOR, Alves de Sousa (orgs), Novos Olhares Sobre a Amazonas Colonial. 1ed. Paka-Tatu. Belém-Pa. 2006.

PRADO JR, Caio. A Formação do Brasil Contemporâneo. 6 ed. Editora Brasiliense. 1961.

ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI a XVIII. 1 ed. Autêntica editora. Belo Horizonte. 2017.

SALGADO, Graça (orgs). Fiscais e Meirinhos: a Administração no Brasil Colonial. 2ed. Nova Fronteira. Rio Janeiro. 1985.

SCHWARTZ, Stuard B. Burocracia e sociedade no Brasil Colonial: o tribunal Superior daa Bahia e seus desembargadores, 1609-1751. Companhia de Letras. São Paulo. 2011.

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